Crônica: A casa do Murruga


 

O Murruga é um magrão gente boa, apesar de meio estranho. Mora na Gomes Carneiro, numa casa que herdou não sei de quem. Também não sei o que faz da vida. Nunca perguntei. Alguém já me disse que ele ganha uma pensão de uma irmã que morreu e ninguém sabe; mas não sei se é verdade. E também não me interessa. É um cara bacana, do tipo que ajuda a vizinha a carregar a sacola do mercadinho. Nunca me falou mal de ninguém, nem se queixou do frio ou do calor.

Nossos papos são os mais aleatórios possíveis. Debatemos um livro ao mesmo tempo em que criamos teorias pra como pode o galho do tomate sustentar o peso dele maduro. Parece improvável que consiga…

E às vezes repetimos um assunto, em dias diferentes. Defendendo, ainda, o mesmo ponto de vista. O que é interessante: deixar um assunto no ar sem tempo pré-determinado. Um acordo tácito. Da próxima vez que nos falarmos, voltaremos a ele. Seja amanhã ou daqui a seis meses.

E são maluquices como essa que fazem do Murruga um grande amigo. Aquele que atrai gente parecida com ele, de todas as idades. Já vi uma vizinha, de uns oitenta anos, sentada na calçada, tomando uma cerveja com o cara.

O bom de não saber muita coisa a respeito da vida do Murruga é que não se faz pré-julgamentos do que quer que seja. Sei que tem planos de abrir um hotel-fazenda, onde quer receber os amigos do jeito que já faz hoje, só que com bastante espaço, na natureza. E embora não faça a menor ideia de como ele pretende fazer isso, sempre que toca no assunto, eu mesmo me convido.

As pessoas que frequentam a casa do Murruga são sempre ligadas a algum movimento, alguma coisa que anda acontecendo ou ainda vai acontecer.

Toda vez que vou lá me sinto parte dessa coisa. Um não sei o quê que liga a gente. Tem cara que vai lá e deixa bilhete na geladeira, pra quando um outro chegado passar por lá e ler. E o outro responde ali também.

Em vez de mandar uma mensagem de texto ou falar on line, o cara deixa um recado na geladeira do Murruga. Poxa!

Enquanto isso rola um papo na cozinha de que o mundo anda cada vez mais intolerante, apesar de tentar parecer o contrário.

Intolerante e cínico, porque ao mesmo tempo em que obriga a fazer parte, julga. A mim me parece que as pessoas andam julgando cada vez mais (e mais rápido) os outros. E donos de suas espadas feitas de verdades próprias, saem por aí, guerreando sabe lá contra o quê.

Alguém que dedilhava um violão e parecia alheio ao assunto, pergunta: o que esse pessoal tá querendo provar?

 

MARCELO NASCENTE