Coletivo Munaya entrevista Ândrea Rodrigues


A conversa com a Ândrea Rodrigues começa com a lembrança da criança inquieta  que só encontrou tranqüilidade aos quatro anos de idade na ginástica rítmica. Depois de uma lesão no pescoço, aos nove, decidiu trocar para o balé clássico e jazz, onde dançou realizada até a hierarquia da academia e a necessidade de ir pra sapatilha de ponta começarem a perturbá-la. A criança cresceu, saiu de Pelotas e descobriu a dança contemporânea, mas a volta pra Pelotas não foi o que se pode chamar de um final feliz. Não conseguiu inserir aquela novidade no jazz, largou a academia onde fazia e dava aulas e tomou a decisão que abriu sua visão de mundo: entrou pra faculdade de dança. Ali nasceu a performance “Vestida” que Andrea apresentou na primeira Dionisía Urbana realizada pela Cia. Teatral Aurora, e é sobre isso que nós vamos conversar aqui.


Coletivo Munaya
– Como foi o processo de criação da performance que você apresentou na Dionisía Urbana?

Ândrea Rodrigues – O meu trabalho solo começou na disciplina de composição coreográfica I, partindo de um problema de movimento, com o nome de Memórias da Pele. Hoje eu o chamo de Vestida porque ele está em uma nova fase. É um trabalho muito auto-biográfico. Era um solo, para pesquisar coisas da própria vida. Naquele momento eu estava querendo trocar vivências com os outros, observar outras pessoas dançando, fazendo teatro, arte afim de buscar uma nova movimentação e me perceber mais. A professora Alexandra Dias, que eu adoro, instigou a minha percepção aos movimentos da ponta do dedo ou do cabelo em oposição aos meus movimentos muito amplos e muitas vezes virtuosos. Foi então que eu decidi que  iria falar de um relacionamento da minha vida, que não tinha dado muito certo mas que deixou muitas marcas em mim. Daí surgiu a metáfora de que eu estava “trocando de pele”, em todos os sentidos, e realmente era tudo muito novo pra mim. Este relacionamento, por mais que não tenha durado, foi muito intenso e isso é o mais importante, pois o sempre não é o tempo, mas o momento. Eu mergulhei nisso, por mais que me doesse. Eu costumava dizer que no solo eu tinha duas mulheres, pois ao mesmo tempo eu tinha gana e escorria. Dualidade.   Nesse processo de desenvolvimento eu acabei entrando no Coreolab (um projeto de extensão da Profa Alexandra Dias) para trabalhar com criação, onde pesquisei a Ofélia do Hamlet, a Capitu do Dom Casmurro, duas figuras fortes sugeridas pela Xanda, com aquela coisa sensual sem querer, talvez… talvez. Resgatei também o trabalho da Pina Bausch e a questão das repetições de movimentos. Qualquer coisa que tu repete, transforma, mesmo que tu não queira, pois o olhar é outro, a sensação é outra.

 CM– Como é trabalhar com uma memória tão pessoal, resgatar essas lembranças a cada apresentação?
AR – Este trabalho já tem quase um ano de idade. Ás vezes eu digo pra Xanda que eu entro em crise por não conseguir achar essa força, talvez porque essas memórias já estão indo, que eu já estou em outro momento, em outro relacionamento, mas é incrível, na cena, volta tudo. É muito estranho, porque quando eu estou ensaiando, ás vezes eu não consigo resgatar esse forte e leve. Ás vezes vem só o leve. Na cena parece que acontece. Eu gosto de perceber a energia do público, o olhar do outro, por isso eu começo perto deles caminhando e percebendo. Ás vezes eu trabalho com música, ás vezes não. Eu gosto de trabalhar com o acaso. Já aconteceu de eu dar quatro músicas para a pessoa do som sortear uma… isso desassossega, estar esperando Chico Buarque e vem a Elis. Falando nisso, adoro trabalhar com música brasileira, não por uma questão de letra, acho que se deve dançar além da letra, como dançar poema é preciso ser mais forte.

  “
aquela coisa sensual sem querer, talvez… talvez”

CM – Como tem sido a recepção do público com a sua performance?

ÂR – Além da apresentação na Dionisía Urbana, eu já dancei várias vezes na rua, já dancei em Canguçu só pra crianças, o que me deixou muito assustada. Já dancei na faculdade, em Rio Grande,no Museu Oceanográfico, na beira do mar no Cassino e também numa vila, que eu encasquetei que queria dançar. Eu sempre achei que ia causar muita estranheza, mas pra minha surpresa já vi de pessoas chorando a rindo sem parar, mas sem dúvida o que eu mais escuto das pessoas é que é algo hipnótico, como se eles estivessem dançando junto, que é convidativo como uma conversa. Acredito que isso seja uma coisa da Performance, que é uma coisa muito de momento. Vai acontecer? Quanto tempo? Eu não digo quanto tempo dura. Eu sei que esse solo tem 30 minutos, mas ele não acontece os trinta.
CM – O que você tem a dizer da sua apresentação no Coletivo Munaya?

ÂR – Eu achei o espaço ótimo! Adorei a luz, super funcionou! A energia estava muito legal! Todos, quem era da arte, quem não era. Senti essa troca entre eu e o público. Ouvi comentários depois e fiquei bem feliz! Acho que os três trabalhos foram importantes. Eu fiquei assustada pelo fato de ter dois trabalhos muito fortes (o meu e o da Cleyce Collins) mas que teve uma quebra muito legal com esse lado cômico da cena da Aurora. Acho esse espaço maravilhoso pela necessidade de conversar com o público, sem essa história de “a minha arte é a minha arte e se tu não gosta rale-se”. Se for assim, te encerra no quarto e dança. É importante isso, não agradar a todos, mas tentar trazer pra perto, aproximar, trocar, causar um espanto poético.
CM – Quais são as maiores dificuldade que o profissional de dança enfrenta aqui em Pelotas?

ÂR – O maior problema de Pelotas é a questão do espaço. Espaço para fazer e dar aula, para dançar e apresentar. Tem que se entender que o edifício teatral não é o único espaço. Se eu não tenho espaço, onde eu vou criar? Faltam espaços pra produção, porque no final das contas a cena pode ser onde eu desejar, se eu quiser apresentar ali na esquina eu apresento. Mas, e o meu momento de artista? quando vou me alongar, refletir … isso é o que falta. Além disso, o artista de rua não é valorizado. Eu sou espectadora de rua de “carteirinha” e já cansei de ouvir chamarem os artistas até de marginais. Me incomoda esse protecionismo às atrações de fora, parece que nós de Pelotas ficamos esquecidos. Também me incomoda essa desunião entre a faculdade e as academias. Juntos seríamos mais fortes. Não somos valorizados.

Confira a performance da Ândrea na I Dionisía Urbana: