Um olhar sob as lentes do Seu Edgar que atravessa gerações em Pelotas


Foto: Gustavo Vara.

Tradição que mesmo com a tecnologia continua resistindo no ato de fotografar e entregar o registro em mãos.

Por Camila Santos

Foto: Lúcio Pereira

Quem vai a Praça Coronel Pedro Osório, sabe quem é o seu Edgar Borges, 70, uma das figuras da praça. Está todas as tardes lá, a partir das 15 horas, com sua câmera, seus cavalinhos de madeira e a carroça. Edgar atua como retratista da praça há 48 anos, uma longa trajetória. Muitas pessoas já posaram para as lentes das suas câmeras, que estão em constante mudança tecnológica, como por exemplo, a passagem do analógico para o digital.

Em meados da década de 60 seu Edgar, que é natural de Piratini RS, veio para Pelotas para servir ao exército, após isso ao invés de voltar para sua cidade resolveu ficar em Pelotas, pois gostou muito do município. Trabalhou 2 anos na estrada de ferro, logo em seguida trabalhou em vários setores do antigo frigorífico e matadouro Anglo, e as fotos surgiram na vida do retratista na época que trabalhava no frigorifico, tirava fotos dos seus companheiros de jornada.

Com o gosto pelo oficio, fez um curso de ensino técnico em fotografia de São Paulo por correspondência, “comecei na fotografia de metido mesmo, gostei e resolvi dedicar mais tempo para isso, no inicio ia a muitos eventos e me virava”, diz Edgar. Desde então, teve a oportunidade de ter uma casa aberta de fotografia, onde revelava fotos, fazia fotos 3×4, fotografava eventos em geral, como, casamentos e aniversários, tudo em preto e branco.

No verão ele trabalhava sempre na praia “tirava foto na praia como água”, lembra o fotógrafo. Já no início da década de 70, Edgar viu nos cavalinhos um meio para tirar mais fotos, principalmente de crianças. Comprou uma máquina Lambe Lambe usada, por ser grande e de difícil locomoção, ele a deixava na antiga casa de cintos próxima a prefeitura. Com o passar do tempo viu na Praça o local perfeito para servir de cenário para suas fotos, tirou licença na prefeitura para poder atuar por lá.

Seu Edgar sempre de olho nos cavalinhos e nos paparazzis da Praça. Foto: Gustavo Vara

Seu Edgar se adaptou bem as mudanças tecnológicas, “acho melhor poder ver as fotos assim que fotografo, com as câmeras analógicas não dava para ter certeza se ficaram boas ou não na hora. Hoje as fotos ficam prontas e são entregues rapidamente ainda comparando com as câmeras antigas. Porém, a qualidade era melhor antigamente, a questão de durabilidade da foto, também” ressalta o fotógrafo.

Em contrapartida, o fotógrafo Gustavo Vara, 34, uns dos administradores e fotógrafo do perfil Humanos Satolep no Intagram , perfil famoso na cidade por retratar o cotidiano dos pelotenses, Gustavo que fotografa há 15 anos, não gostava muito do processo de filme, mas hoje gosta “na época era muito difícil alguém ter acesso ao digital, quem tinha, muitas  vezes pegava emprestado, eram muito caras as câmeras digitais e as analógicas também, sem falar no processo das câmeras de filme para revelar, a demora, tinha que revelar até o negativo, do negativo escanear o mesmo para o computador e passar com internet discada, sem condições” afirma o fotógrafo. Em oposição a Edgar, Gustavo já acha que a qualidade do digital é melhor.

Raros são os humanos de Satolep que não têm uma foto nos cavalinhos, é algo que passa de geração para geração, como foi o caso da pelotense Francele Kurz, a qual posou para a câmera do seu Edgar há 30 anos e em 2016 foi à vez da sua filha, Lara.

A direita está Francele, foto de 30 anos atrás e a esquerda está sua filha Lara foto feita há 2 anos . Fotos: arquivo pessoal

“Quase todas as pessoas que conheço tem a foto no cavalinho! Apesar da Lara não ser Pelotense eu queria que ficasse eternizado um momento em comum das nossas infâncias. Toda criança se encanta com o cavalinho porque ele é rico em detalhes e próprio para seu tamanho. Não tem como passar despercebido!”, relata Francele.

O fotógrafo Gustavo Vara acha a tradição das fotos nos cavalinhos um máximo e ele mesmo têm a sua foto nos cavalinhos feita pelo Edgar. Pretende quando tiver filhos levar eles para fazer um retrato também.  “o seu Edgar já pode ser considerado como um patrimônio da cidade, pelos seus vários anos de história, inclusive deveria ser mais valorizado. Hoje em dia quem tem filho vem na praça vai ali e tira uma foto com o seu celular, não vai bater um retrato com os cavalinhos ou conhecer o seu Edgar. Se ele esta ali ainda é porque gosta do que faz e deveria ser valorizado por isso, manter essa tradição. Ele é fantástico” completou Gustavo.

Foto da foto feita pelo seu Edgar do fotografo Gustavo quando criança. Foto: arquivo pessoal, Gustavo Vara

Como fotógrafo da Prefeitura de Pelotas, Gustavo tem uma rotina bem corrida, fotografa durante todo o dia. A cada dia é uma coisa diferente, pautas diferentes, mas ele ama o que faz. Segundo ele, as fotos ficam, elas não se destroem, elas duram para o resto da vida se a pessoa souber cuidar bem delas. “As pessoas perderam o costume de imprimir as fotos e eu quero voltar a revelar, não sou muito de imprimir, mas eu gosto só que eu imprimo pouco, na verdade eu queria fazer bem mais. Guardar tudo isso, um monte papel e é caro, daí acaba virando só digital, mas a foto digital tu não consegue sentir ela, só olhar para um monitor dependendo de ter energia elétrica, bateria no celular, internet se quiser mandar para alguém. O valor da foto revelada ninguém tira”, conclui Gustavo.

Em relação à valorização da profissão de fotógrafo, tanto o seu Edgar como o Gustavo que são de duas gerações e áreas diferentes da profissão, dizem que nunca foi muito valorizada. Assim para o fotógrafo Gustavo, o profissional tem que se valorizar, porque se for esperar a valorização dos outros, ele vai ser sempre mais um. Se fizeres as tuas fotos, gostar daquilo e entrar de cabeça, uma hora tu vai conseguir vender o seu trabalho, mas depende de cada um, da vontade, da sede.

Dificilmente os cavalinhos saem da praça para outros eventos, em algumas ocasiões o retratista Edgar se dispõe a levar eles para outros locais, como já aconteceu o episódio em uma escola infantil, foi um sucesso. Eles fazem parte do cenário e da história, precisam de manutenção, pois ficam sob o sol e às vezes de surpresa pegam chuva.  Além disso, mesmo ele estando aposentado, ainda não consegue ver suas tardes longe da praça, “as fotos geram um trocado para eu me entreter, estou bem de saúde, não adianta ficar em casa olhando para as paredes”, diz o fotografo.

Assim como Edgar, existem várias outras figuras na cidade que compõe a história da Princesa do Sul, tanto pessoas como locais, que no dia a dia corrido, não são lembrados pela população. Pelotas tão conhecida pelo seu centro histórico e os seus doces, mas quem é daqui, muito pouco sabe das histórias por trás das fachadas. A cultura da cidade deve ser mais exaltada, o que temos hoje é o que fica de lembrança para as gerações futuras. Quando tiveres tempo, porque não vai largatear na praça e bater um papo ou até um retrato com o seu Edgar?

1 Comentário

  1. Seria encantador se o Gustavo organizasse uma exposição com as fotos das crianças fotografadas ao longo de tantos anos. Inscrever um projeto para pagar os custos de impressão das fotos a partir da digitalização do maior número de fotografias que fosse conseguindo…
    Seria uma homenagem linda para seu Edgar,também. Aliás, ele está há umas três semanas sumido da praça.

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