Na tarde de sábado, dia 14 de novembro de 2009, a comunidade da região das doquinhas de Pelotas teve a oportunidade de assistir ao espetáculo Revisitando Nossos “eus”, do Centro Contemporâneo de Pesquisa e Movimento Berê Fuhro Souto. O espetáculo foi apresentado ao ar livre, com entrada franca. Aos poucos várias pessoas foram aproximando-se para descobrirem de onde vinha aquela música e o que significava aquele sofá disposto fora dos padrões. Muitas foram as pessoas que se perguntavam o que iria acontecer ali. Mas, o que mais chamou atenção foram as famílias da região trazendo seus filhos para assistirem a alguma apresentação que eles nem sabiam do que se tratava. Entretanto, traziam todas as crianças para assistirem-na.
O espetáculo aborda, através da dança-teatro, a obra dos poetas Clarice Lispector e Fernando Pessoa, interpretado por três dançarinas-atrizes de uma forma muito delicada. A escolha dos textos estava sensivelmente conectada à execução dos movimentos que, intercalados com momentos de acompanhamento musical e outros não, prendiam paulatinamente a atenção do público. Algumas pessoas podem pensar que a erudição de poetas como Clarice e Fernando ficaria restrita a plateias já iniciadas nos estudos literários, ou que se habituam ao consumo artístico há muito tempo. No entanto, o que Berê Fuhro Souto e seu grupo comprovaram foi que, independentemente do local onde se leve a arte, ela é capaz de tocar até mesmo aos que ainda não dispunham de referenciais para analisá-la criticamente. O espaço onde se deu a apresentação foi muito bem aproveitado pelo grupo, que algumas vezes usou a fachada de um tradicional bar do local para compor seus movimentos, de uma forma que parecia que o espetáculo havia sido concebido para aquele lugar. Esta apropriação que o grupo fez do espaço cênico foi muito importante para integrar o público à cena. Mais importante ainda foi para que os presentes repensassem a tradicional ideia de que teatro e dança são manifestações artísticas que devem ser apresentadas somente em teatros com palco italiano.
Além disso, pouco a pouco, o espetáculo ia conquistando uma plateia considerada, por vezes, das mais difíceis: as crianças. O público infantil que se aglomerou à volta do espaço assistia a tudo silenciosamente. De início, todos perguntavam aos adultos do que se tratava aquela movimentação. Os adultos respondiam que deveria ser teatro, ou alguma outra apresentação. Realmente, dança-teatro é uma área de intersecção ainda desconhecida para muitos. Porém, devemos saber que a separação entre dança, música e teatro ocorreu apenas no nosso mundo ocidental sequitarista, que algumas vezes necessita separar todas as partes para que possa compreendê-las, como se a visão de um todo fosse impossível aos olhos dos demais. Atualmente, os movimentos em dança-teatro vêm para quebrar estes paradigmas, pegando o público despercebido e, ao mesmo tempo, captando-os para dentro das cenas que se formam através de movimentos e palavras imbricados entre si, propondo-nos uma nova visão de arte.
Sendo assim, oportunidades para revisitarmos Clarice Lispector e Fernando Pessoa são sempre válidas, especialmente quando observamos fenômenos de vendas literárias de autores estrangeiros, enquanto o público brasileiro – dos poucos que lêem – desconhecem os grandes autores da língua portuguesa. Por este motivo, o Centro Contemporâneo de Pesquisa e Movimento Berê Fuhro Souto está de parabéns pelo trabalho realizado em levar, através da dança-teatro, das melhores literaturas a um público que muitas vezes mantém-se esquecido dos investimentos políticos em cultura.
MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Integrante do CCETP
vagnervarg@yahoo.com.br
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.