Livre adaptação do texto de William Nigel, a peça traça um retrato inquietante da situação da escola nos dias de hoje
A notícia de que um aluno de uma escola pública havia atirado em uma professora e depois cometido o suicídio foi impactante para Luciano Alabarse. O diretor de teatro julgou que estava na hora de colocar em discussão esse assunto tão atual, tão assustador, e tratou de escolher texto, impressões, referências, elenco, e montar uma peça de teatro que abordasse o tema. Inimigos de Classe estreia dia 2 de março no Theatro São Pedro, onde permanece por dois finais de semana. O texto é uma livre adaptação de Luciano Alabarse para o texto de William Nigel e traz no elenco atores que se destacam na cena gaúcha, como Marcelo Adams, Fabrizio Gorziza, Gustavo Sussin e Fernando Zugno, entre outros. Mauro Soares faz uma participação especial como diretor da escola. Nas sextas-feiras haverá debates com profissionais da SPPA – Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, logo após a apresentação.
O espetáculo é focado na falência do sistema educacional em relação ao complexo universo dos alunos marginalizados da escola pública. Realista, aposta suas fichas na construção dos personagens, todos alunos de periferia, seus códigos de comportamento, suas dificuldades de integração com o grupo. A verossimilhança com adolescentes contemporâneos é proposital e necessária, para que os discursos dos alunos não sejam exercícios de literatura e sim linguagem de uma classe estigmatizada e com problemas. Assim, figurinos, cenários e trilha sonora acentuam a classe social e o universo comportamental de cada um. Marcações que reforçam e realçam os confrontos inevitáveis entre os alunos dão o tom realista da montagem. A luz, mais crua e agressiva, é branca, sem efeitos especiais. O que importa valorizar é o texto, adaptado do filme alemão homônimo dirigido por Peter Stein. E o texto é a baliza e o centro de todas as escolhas da direção de Alabarse.
“Abandonados na sala de uma decadente escola periférica, os alunos de Inimigos de Classe não são nem mocinhos nem bandidos. A esperança e o desespero aparecem em todos os personagens. Não há solução a curto prazo, não há medidas eficientes e reguladoras.Todos eles sabem que o mundo é uma surpresa que dói, e que com o tempo só dói; todos remexem perigosamente o risco da situação que estão vivendo”, afirma Luciano Alabarse. “Para eles, o risco consiste em assumir suas próprias responsabilidades quando faltam alternativas externas para um futuro melhor. Nesse sentido, no mundo globalizado do século XXI, a ação da peça pode acontecer em Porto Alegre, Berlim ou qualquer outra cidade onde impera nossa capenga democracia solidária e sua deturpada lógica de benesses igualitárias”, complementa o diretor.
Dia de aula normal na escola, menos para os alunos da 2ª C. Conhecidos por seus problemas comportamentais, nessa turma estão reunidos os elementos mais desajustados, rebeldes e agressivos. A ação se inicia quando Ferro, o líder do grupo, adentra na sala aos gritos. Acabou de expulsar a última professora enviada e novamente a turma ficará esperando por um novo professor. Ansiosos e tensos, os alunos não sabem bem o que fazer, até que Ferro tem uma grande idéia: enquanto esperam, cada um dará uma aula para os demais. Recebida com vaias e gargalhadas, o grupo logo vê que a proposta é séria, o que causa enorme desconforto entre eles. Para surpresa de todos, Bola, o principal antagonista de Ferro, endossa a idéia e torna irreversível esse momento perigoso. A turma, na verdade, não quer levar adiante essa proposta, mas o clima estabelecido entre os dois líderes rivais torna irreversível as aulas improvisadas, onde vão se misturar o gosto pessoal e o universo geral de todos eles. Cada membro da 2ª C precisa escolher um assunto e desenvolver o tema. Surpreendentes, as aulas vão abordar assuntos tão distintos como sexo e jardinagem, imperialismo e economia doméstica.
No meio do processo, um instrutor de disciplina vem buscar um dos alunos, cujo apelido é Portuga, famoso por quebrar todas as janelas do prédio. Isso precipita o confronto inevitável entre Ferro e Bola, em uma briga onde Bola leva a pior. Machucado mas firme, não desiste de sua aula até que o próprio diretor da escola intervém.
O episódio da briga é inquietante e revelador. Aqueles alunos, massacrados por diferenças sociais são todos marginais da periferia. Rejeitam a escola e o sistema que os aprisiona, mas não querem deixar a sala de aula. Todos são sujeitos de seu próprio drama. Todos são excluídos e desesperançados. Para a 2ª C não há saída, não há salvação, não há futuro. Os episódios marcam o dia mais especial da turma, aquele onde nenhuma esperança ficará de pé. Quando a peça termina, um imenso vazio envolve a todos, isolados em seus códigos e comportamentos, absolutamente incapazes de responder às necessidades que os envolvem. A última aula é a do líder, Ferro, sobre Defesa Pessoal. Não há vencedor ao prêmio estabelecido para quem der a melhor aula. O pote de geléia prometido não tem vencedor. São todos vencidos. Estão todos cansados. O sistema escolar é incapaz de atender e resolver as dificuldades da turma. Todos continuarão em busca de sabedoria e conhecimento.
Encenação
Em consonância com a linguagem do espetáculo, todos os elementos da encenação obedecem o código do teatro realista que pontua a direção. Assim, o cenário é uma sala de aula destruída e despedaçada, sem glamour. Mesas e cadeiras escolares, um quadro negro e paredes pichadas criam o clima desolador da 2ª C. Não há cor, não há adorno, não há enfeite nesse cenário de destruição e abandono. Os figurinos, ao contrário, pontuam todas as fantasias e vaidades dos personagens, procurando a melhor caracterização para cada um dos personagens. Muito medalhão, botas, jeans e camisetas rasgadas,com jaquetas de couro detonadas dão o tom do universo social do grupo de alunos. A iluminação é crua, branca, chapada. Não há nuances, adornos, fantasia. A luz ilumina a sombra interior de cada um, em uma luz quase sem efeitos, quase utilitária, levando em conta que a ação dramática se passa em uma tarde de aula regular, em tempo contínuo. Não há passagem de tempo, não há refresco, não há fantasia. A trilha sonora, utilizando apenas as canções de Tom Waits, pontua o universo psicológico de cada um dos personagens. A obra do genial Waits se presta a revelar o interior e o exterior desse agrupamento de marginais desesperançados. Rocks, blues e baladas pontuam toda a encenação, com a voz rouca e desiludida do bardo americano.
Sobre o texto
“Inimigos de Classe” foi escrito originalmente para o teatro, mas teve sua trajetória reconhecida quando um dos maiores diretores do teatro alemão, Peter Stein, o adaptou para o cinema.
O inglês William Nigel capta com extrema fidelidade o universo de alunos desesperançados e perdidos em busca de um futuro cada vez mais inalcançável. No Brasil, a adaptação coube ao Grupo Mambembe de São Paulo. A atual versão é na verdade uma livre adaptação da obra original, buscando uma aproximação temporal com a platéia. Coube ao diretor Luciano Alabarse, a partir da versão do grupo paulista, atualizar e filtrar linguagens e expressões para que houvesse total afinidade com o tempo vivido em 2012. O grupo de atores teve, por sua vez, liberdade absoluta para corrigir e acrescentar expressões atualizadas. Assim, o texto oferecido ao público é realmente novo, fruto do trabalho do grupo mobilizado para a atual encenação.
Ficha técnica
Uma livre adaptação de Luciano Alabarse para o texto de William Nigel, a partir da tradução do Grupo Mambembe (São Paulo).
Elenco:
Marcelo Adams………….Ferro
Denis Gosch……………….Bola
Eduardo Steinmetz……..Anjo
Fabrízio Gorziza…………Colosso
Gustavo Sussin…………..Espinha
Fernando Zugno………..Portuga
Marcelo Crawshaw……Instrutor de disciplina
Mauro Soares…………..Diretor (participação especial )
Equipe:
Direção…………………………….Luciano Alabarse
Preparação corporal…………..Margarida Leoni Peixoto
Cenário……………………………..Luciano Alabarse
Figurinos……………………………Daniel Lion
Iluminação………………………..João Fraga e Maurício Moura
Operação de luz…………………João Fraga
Operação de som……………….Margarida Leoni Peixoto
Trilha sonora……………………..Luciano Alabarse (todas as composições são de Tom Waits)
Fotos…………………………………CreativeFotografia /Mariano Czarnobai & Juliana Alabarse
Produção executiva…………….Fernando Zugno / Miguel Arcanjo
Projeto gráfico…………………..Dídi Jucá
Coordenação de produção…..Luciano Alabarse
Serviço:
Inimigos de Classe
Dias 2, 3 e 4; 9, 10 e 11 de março de 2012
Theatro São Pedro – Praça Marechal Deodoro, s/n – Centro – Porto Alegre
Ingressos:
R$ 50,00 (platéia), 30, 00 (camarotes) e 20,00 (galerias)
Descontos de 50% para estudantes, idosos, professores e para membros da SPPA.
A venda a partir de 5 de fevereiro nas bilheterias do TSP
A SPPA é parceira do projeto e organizará debates sobre o assunto nas sextas-feiras, dias 2 e 9 de março. Palestrantes a confirmar.
Bebê Baumgarten/ BD Divulgação
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Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.