Um mundo down? Esta é a proposta da Associação Pelotense de Cinema Independente (Cinepel), dando início à produção de um longa-metragem onde a realidade é vista sob o ponto de vista dos portadores da Síndrome de Down. Com direção de José Mattos e P.C. Nogueira, roteirizado pelo escritor e roteirista Manoel Soares Magalhães, o filme terá apenas um personagem não portador da doença. A Editora Livraria Mundial vai publicar o roteiro, a ser lançado quando o filme estrear.
Um dia você acorda, levanta, sai à rua. De repente, como um passe de mágica, se dá conta de que tudo está diferente. Diferente de você. Você é o diferente, agora. As pessoas, que exibem outras feições, lhe acham estranho. Não sabem muito bem como lidar ou o que esperar da sua personalidade – pensam isso, aliás, sem saber que a aparência nada tem a ver com personalidade. A partir daí você travará uma batalha contra um forte inimigo: o preconceito. Mas, se quiser, aí vai um segredo: ele é vencível. Pelo menos é nisso que acreditam José Mattos, Paulo César Nogueira e Manoel Magalhães. Através da produtora Cinepel, o trio trabalha agora em um novo filme que trata sobre as diferenças – e como humanizá-las a favor da igualdade.
A situação descrita acima é um convite à imaginação; não é de verdade, obviamente. Mas, para milhares de pessoas, essa é a descrição fiel do cotidiano. Portadores da Síndrome de Down, cujos traços faciais não escondem a alteração genética, vivem e revivem diariamente a mesma sensação que você tentou experimentar há um minuto, caso tenha se deixado levar pelo convite. É essa inversão de papéis a grande sacada da produção do Cinepel; com um elenco 100% preenchido com atores Down, a trama apresenta as dificuldades enfrentadas por um personagem que nasce sem a Síndrome em uma sociedade totalmente Down.
A ideia pioneira surgiu de Mattos, que recebeu apoio imediato de Magalhães e P.C.Nogueira, assim que expos a proposta. “Eles largaram essa ideia. Disseram: ‘Pensamos em um mundo Down, onde o normal é o diferente. É isso, te vira’”, brinca Magalhães, roteirista do filme, que completa: “Agarrei o desafio”. Segundo Mattos, a história é baseada no apego das pessoas aos aspectos visuais. E, por isso, o impacto de ver o mundo ao contrário possa ser ainda maior: “Quem assistir vai se identificar visualmente com o personagem sem a Síndrome e, quem sabe, entenda o drama de ser tratado como diferente.”
Elenco especial
Para construir o mundo fictício, a equipe vai convocar um elenco de quase cem pessoas com Down. Os protagonistas retratarão uma família com pai, mãe e dois filhos – todos normais, ou seja, portadores da Síndrome. Até que uma gravidez inesperada faz nascer um filho diferente, o que causa transtorno dentro de casa. Este núcleo principal será escalado na terça-feira (2), às 14h, em uma seleção promovida em parceria com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Pelotas. Qualquer pessoa portadora da Síndrome pode participar. A seleção de figurantes ocorre na próxima semana, quando já começam a ser rodadas algumas cenas – serão, ao todo, 32 dias de filmagens.
No processo de composição de elenco, Nogueira valoriza a presença das famílias no incentivo à participação dos especiais: “Os pais são muito importantes nesse processo. Eles devem dar apoio ao lado artístico. Os Down são, na maioria das vezes, artistas natos. São glamourosos e vaidosos, gostam de aparecer. Para nós será um grande aprendizado.”
A parceria com a Apae vai além do apoio à seleção de atores. A entidade fornecerá profissionais de diversas áreas para ajudar durante a produção do filme. Depois de pronto, o longa será distribuído a todas as sedes da Apae espalhadas pelo país. O público geral de Pelotas também será contemplado; uma sessão de lançamento já é planejada pelo trio. Junto com o filme, será lançado o roteiro em livro pela Editora Livraria Mundial, que já confirmou interesse.
A vitória da igualdade
“O preconceito é mais físico do que qualquer outro. Ele começa quando tu olhas e vês alguém que não é como tu”, avalia Mattos, que garante que o foco da história se fixará no tratamento das diferenças – e não na Síndrome em si. Para isso, a equipe já faz questão de ressaltar: não se trata de um filme educativo sobre pessoas especiais. Trata, isso sim, das dificuldades enfrentadas pelo incomum.
“A trama terá humor, suspense e drama. Queremos provocar as pessoas. Tentaremos fazer com que o espectador esqueça o visual e mergulhe no emocional da cena”, define o roteirista. Assim que fizer o público se render a esse mergulho, Mattos prevê que o filme será como uma redenção das pessoas excepcionais. “Será a vitória deles, vitória do elenco que conseguirá colocar o filme de pé. Darão seu recado sem precisar falar da Síndrome. Acredito que eles darão um grande passo.”
Fonte: http://usuario.saci.org.br
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.