Há chegado o fim – e o Guerra foi-se. Todavia, o fim não diz a passagem à inexistência do artista. Chegar ao fim, em algum universo suficientemente idiossincrático, diz: definir-se. O trabalho Lama definido, foi isso que se pode prestigiar no Domingo que se passou no Coletivo Munaya — e, com a definição desse trabalho, a retirada do artista por detrás daquilo mesmo que ele construiu. E que o construiu de volta.
Se hoje é possível tecer qualquer comentário sobre Lama, esse comentário deve abordar o teor emocional contido da desapresentação: a encenação da retirada, a reprodução do disco como celebração junto ao público e a despedida como reflexo de um parto complicado. Se Lama era parte dependente do Juliano, hoje é o dia em que se emancipa e, no rastro do caminho desbravado, transforma-se em saga. O Guerra pediu ao Eduardo, fotógrafo presente no evento: uma foto da plateia, por favor. A emoção era evidentemente contida, só que a despedida não referia a perda do músico, mas a emancipação do disco. Agora ele é de um público que não deixou de cantar sequer uma música. O inverso, a bem da verdade: o músico que nos atrapalhou a cantoria.
Ainda entreouvi uma menina: “E eu ia ficar em casa. Quero o CD dele.” É só o que resta: o disco como testemunho não apenas de uma senda criativa, mas como rastro de um músico ausente em uma cidade que fica — agora atravessada menos pelo samba “arrastado” do que pela própria possibilidade de produção fundeada pelo Lama, ou ainda amargurada com o disco em mãos. Nessa ocasião, a assinatura pode ser literalmente irônica: Um abraço do Juliano Guerra. Com todo respeito, um golpe de mestre.
Não me cabe aqui a crítica do trabalho, mas uma nota: Lama é uma composição coletiva, um trabalho de caráter múltiplo e, portanto, de conflito, de ímpeto, de vontades contrastantes, gênios impetuosos e consensos impossíveis. Contudo, é sobre essas impossibilidades que se firma um trabalho de caráter. A despedida só marca a transferência parcial desse caráter: o Guerra vai pegar uma praia na Paraíba, tocar samba com os pés pra cima — e a nós cabem as lembranças, os comentários e as críticas. Logo, se escrevo aqui, tenham certeza: é apenas ruído sobre o disco.
por Brás Silvano
fotos: Camila Hein
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.