Há tempos que, com um intuito em mente, buscava palavras certas, mas elas me escapavam. Nesta sexta-feira, com o evento da chuva, creio que me ocorreu um caminho de acesso para falar de um projeto que me encantou: Kiša. A palavra é croata — diz: chuva. E como pensar aquilo que me parece pairar suspenso por todas as composições senão através do nome? A tradução é exótica; noutro idioma, clama atenção ao que nos é, por vezes, trivial a ponto de passar-nos despercebido, e o clama estranhando, como se houvesse ali senão o desconhecido da chuva, como se o outrora trivial fosse agora tão-somente o desusado, uma palavra que não se acerta com seu referencial e faz-nos pensar o que há nessa relação entre o que chamamos de chuva e o chamado dessa chuva em ato. Hoje, numa era de alta fidelidade técnica e de reprodução como extensão presencial do original, talvez soe estranho aproximar-se da chuva através da música ou da palavra — um passo mais poético que difere da capacidade de adicionar ruídos ambientais através do RainyMood, por exemplo.
Mas assim me ressoam as composições: uma aproximação da chuva através da música, um ressoar em conjunção que busca menos o elemento dessa chuva do que a complexidade de um imaginário persistente. Não há, nem em II nem em IV, uma metafísica da chuva; há, por outro lado, uma caminhada, um cântico que procura e grita — e aqui o grito chama, tateia no escuro e convoca na ausência — tem hora, tem lugar.
A palavra é pertinente: não se falasse em elementos musicais, pensaríamos a ressonância da chuva na música e da música na chuva como recursos — estratégia de composição; o que compõe serve e desserve, o compósito é multiforme e arma-se em um plano de imanência: a chuva que Kiša refere é menos a água que decai na cidade do que a cidade-chuva-decadente.
Por isso, confunde-se: aponta à fusão complexa que caracteriza a própria chuva. Também por isso, por essa minha ficção, interessa-me. Há tempos que nada me encantava assim.
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.