Simplesmente notável
Texto: @LuciahTavares
“Notável dos Açores” é um projeto do Governo dos Açores que objetiva, entre outras coisas, homenagear açorianos/as ou açordescendentes que, com a sua ação extraordinária, tenham contribuído para a divulgação dos Açores a nível mundial. Entre os notáveis da dança está a personalidade a que me proponho hoje, resumidamente falar. E que, muito antes de receber o título do governo dos Açores era já uma personagem notável da história da dança de Pelotas: Marcelo Lages.
As vésperas de completar 40 (quarenta) anos este gaúcho, nascido em Porto Alegre se define um típico pelotense, além de ter família na cidade, passou toda sua infância e adolescência na “terrinha”, como de modo carinhoso se refere a Pelotas. O típico sotaque pelotense começa a misturar-se com gírias do dialeto carioca, mas o bairrismo permanece e o amor ao sul é sublinhado várias vezes pela gratidão a terra que o fez, além de notável, um artista ousado.
Primeiros passos
O gérmen de sua paixão pela dança iniciou por volta dos 14(quatorze) anos em Pelotas, quando cinemas de calçada ainda não haviam virado estacionamentos e igrejas, e os Teatros Avenida e Sete de Abril estavam em pleno funcionamento. Época em que um dos principais pontos de encontro dos adolescentes de Pelotas era o Verdes Anos, uma danceteria que localizava -se no Casarão dos Mendonça na rua Gonçalves Chaves com Sete de Setembro. Neste tempo, não tão remoto, para os que viveram, havia um grupo de dança que circulava por todos os nichos possíveis: de festas juninas a chás beneficentes, da danceteria ao teatro, das ruas dos bairros ao calçadão. O local não importava, dançar sim… e lá estava o grupo de garotos. Com idade entre 14(quatorze) e 20(vinte) anos, ensaiavam e apresentavam coreografias de Acid House, estilo musical que teve suas primeiras aparições em meados dos anos 80, em Chicago e depois espalhou-se pelo Reino Unido, Europa Continental, Brasil. No início dos anos 90 o estilo perdia a força como música no exterior e deixava sua marca na Dance music e, no caso de Pelotas, a força de tal estilo espalhou –se como uma febre pela cidade tendo sido disseminada pelo sucesso dos Twugueb’s que, inicialmente era um grupo de amigos que dançava de forma coreografada em festas: das Boates dos Clubes aos bailões pelo interior, arrancavam suspiros das gurias e deixavam todo o time masculino que não se atrevia a dançar de plantão: olhos atentos e punhos cerrados. Lages, como era e ainda é chamado pela maioria de seus amigos mais estreitos, devido ao sobrenome da família de tradição militar, teve seu primeiro contato com a dança no grupo em questão. Num dos diversos concursos de Acid house que houveram na cidade na época, Anaí Sanchèz, coreógrafa e bailarina pelotense, (hoje estabelecida em Niterói/RJ) foi jurada e surpreendeu-se com a presença cênica de Lages e convidou-o para dançar na Cia da Dança. Ela conta:
“Ele tinha uma particularidade, tinha uma força de vontade, uma persistência como ninguém, e desempenhava bem qualquer estilo, do erudito ao popular. Não tinha tempo ruim o que era designado para ele fazer, ele fazia. Acho que nunca ouvi ele dizer, ‘eu não consigo’. Qualquer pessoa que precisasse dele pra qualquer coisa estaria a disposição pra ajudar, sem exceção. Não é a toa que seguiu seu rumo com as próprias pernas.”
E assim já nos anos 90, junto a Cia da Dança ele recebia seus primeiros prêmios em festivais, entre eles, nas cidades de Bento Gonçalves/RS, Porto Alegre/RS e Passo Fundo/RS. Período em que também atuava como ator junto ao Teatro Escola de Pelotas.
Ao chegar a maior idade seguiu o mesmo caminho do “clã Lages”: as forças armadas. Através do curso para Oficiais do 9º BiMtz: o NpOr. No entanto a tradição familiar de dedicação ao exército não fez que ele deixasse de lado sua grande paixão: a dança. Tornou-se tenente do exército, comandante de pelotão, mas seguia dedicando-se a dança clássica e todas mais que o pensamento do leitor puder supor. Participou de espetáculos memoráveis junto a Escola de Dança Dicléia Ferreira de Souza, onde destaca “Paquitas” em que dançava ao lado de Daniela Souza e “Le Fille mal Gardèe”.
Centro Coreográfico do Theatro Sete de Abril
Em meados da década de 90, Lages passou a fazer parte do Centro Coreográfico do Theatro Sete de Abril (naquela época o Sete de Abril estava em pleno funcionamento e havia um grupo de dança que ensaiava diariamente no teatro, composto pelos melhores profissionais de dança do município, provindos de diferentes escolas). Era um grupo coordenado por Otávio Augusto Lima e Eliana Guilherme. Lages vivenciou grande parte da trajetória do Centro Coreográfico Theatro Sete de Abril, tendo dançado “Amálgama”, “Intrusa” e “A Flor do Sal”, este último contava através da Dança contemporânea a história de Pelotas e é lembrado pelo bailarino com afeto:
“A Flor do Sal, do Centro Coreográfico do Theatro Sete de Abril foi decisivo na minha trajetória, trouxe a coragem para ousar e seguir adiante no caminho da dança. E não incentivou apenas a mim, muitos outros bailarinos que dançavam no centro coreográfico passaram, ou estão, nas maiores e mais importantes companhias de dança do Brasil e do exterior. Como Diego Mejía, Priscila Albers, Débora Leivas, Simone Lorenzi, apenas para citar alguns.”
Neste período Lages conta que literalmente tinha que fazer mil piruetas para dar conta da carreira de tenente no exército, da faculdade de Educação Física (UNISC), ambos em Santa Cruz do Sul, das aulas de Dança em Porto Alegre e dos ensaios e apresentações do Centro Coreográfico em Pelotas/RS. Ele destaca que a forte disciplina imposta por ele no exército, com pesados exercícios físicos, o ajudava tanto a suportar o ritmo intenso, como a não deixar espaço a brincadeiras ou chacotas por parte dos colegas referentes ao fato de ser bailarino. O período em que viveu em Santa Cruz do Sul/RS ajudou a compor o primeiro grupo de dança da UNISC, que existe até hoje.
Rio de Janeiro & tournées internacionais
Em 2001 participou da audição para Theatro Municipal do Rio de Janeiro, foi aprovado e decidiu largar as forças armadas. No Rio de Janeiro, compôs por anos o corpo de bailarinos do Theatro Municipal, onde ainda é chamado anualmente para compor os espetáculos. Dançou em diversas montagens importantes na qual podemos destacar “A Bela Adormecida” (2005); “O Lago dos Cisnes”(2006), coordenado pela bailarina russa Natalia Makarova; “O Quebra Nozes” (2007), dirigido pelo Ballet Bolshoi; “Copélia”(2008); “Romeu e Julieta”, de Prokofiev, montagem do russo Vladimir Vasilieu; “Gisele”(2008); “Dom Quixote”(2010), onde teve a oportunidade de dançar inúmeras vezes ao lado de ícones do ballet clássico como Ana Botafogo e Cecilia Kerche.
Em 2004 entrou para o Grupo Dissídio Coletivo-o DC (Companhia de dança contemporânea do Theatro Municipal do Rio de Janeiro) em que atua até hoje e que lhe levou a turnês pela Alemanha, Áustria e Suiça. E que estréia o espetáculo “Discothéke” no próximo dia 10 de maio, no Centro Cultural dos correios, na capital carioca.
Em 2005 participou da tournée brasileira de “Terra Brasilis”, de Fernando Bicudo, espetáculo que lhe rendeu uma temporada na Itália e Alemanha.
Esteve a frente da companhia Thalmah de Dança ao lado de Henrique Thalmah, de 2006 a 2009. Lamenta que a companhia tenha acabado, ironicamente, pelo grau elevado de seus integrantes que foram a grande maioria recrutados por companhias de dança internacionais.
Lages recebeu ainda prêmios em diversos Festivais como o Festival de Dança de Joinville, Porto Alegre em Dança, Festival Tapias RJ, o Festival de Dança de Montevidéu, Dance Festival Munchen, entre outros. Em 2007, foi convidado pelo Governo dos Açores para participar no espetáculo “Dança dos Sentidos”, que reuniu profissionais de Portugal, Brasil, Canadá e EUA. Parceria que estendeu -se em 2008 com “Sinfonia Dançada para um Vulcão” e do espetáculo “Danças & Voltas com Sentido & Memória nos Açores”(2010). E que posteriormente lhe rendeu o título de Notável dos Açores. Realizou ainda temporada em Nova Iorque e New Jersey com o espetáculo “Fluxos” (2009), como o bailarino convidado no Brazilian Indian Conection de tal ano. Teve a oportunidade de atuar como diretor de palco do espetáculo, “1 em 4”(2010), com Ana Botafogo e “Lado B”(2011) que contou com a participação da atriz Claudia Raia.
Pergunto-lhe se mesmo tendo dançado em tantos palcos importantes mundo a fora volta e meia remete-se ao palco em que estreou. Sua voz embarga… “Isto, sempre!” Peço-lhe para que me descreva a importância de Pelotas em sua trajetória e como se sente sabendo que o teatro que fez sua estréia está interditado há três anos. “Pelotas é a base de tudo sem dúvida, quanto ao teatro nem me fala nisto que eu não tenho palavras para descrever a angústia que eu sinto… (silêncio) Como eu estava dizendo fiz minhas primeiras apresentações ali e a última vez que dancei em Pelotas, foi no Sete de Abril com a companhia Thalmah, como todos os artistas que passaram por aquele palco estou na expectativa por sua reabertura.”
Para descontrair relembramos da infância, de modismos vividos na adolescência em Pelotas e Lages me traz a tona infinitas lembranças dos inúmeros desfiles de carnaval na Unidos do Fragata que dariam não apenas para escrever outra matéria, mas um livro inteiro. Admite que o carnaval é outra paixão que teve sua origem na princesa do sul e que ganhou força na cidade maravilhosa, onde vive desde 2001. Por meados dos anos 90 passou a compor a Unidos do Fragata, onde obteve diversas vitórias. No carnaval carioca ele atua desde 2008 tendo composto, como coreógrafo e bailarino, algumas das mais importantes comissões de frente da história que passaram pela Marquês de Sapucaí, inclusive da aclamada comissão de frente da Unidos da Tijuca de 2011. Junto ao Império Serrano ganhou o prêmio de melhor comissão de frente através do troféu Samba Net em 2010. Em 2013 esteve na comissão artística da Unidos de Vila Isabel que teve como diretor Carlinhos de Jesus e coordenou a comissão de frente da Unidos do Fragata em Pelotas.
No momento além de dedicar-se ao espetáculo “Discothéke” é diretor da Expo Rio Móbile, maior evento internacional de decoração e design do Rio de Janeiro e um dos maiores do país, realizado no Riocentro. Fica claro que não lhe falta o fôlego necessário a um bailarino, a força do militar, os sonhos do adolescente que no passado dançava de calça rasgada nas ruas e palcos de Pelotas.
Como o dia mundial da dança comemora-se no dia 29 de abril, busquei frases de bailarinos e mestres da dança para defini-lo e fechar esta matéria com “standart de ouro” mas não encontrei, o que me vieram foram trechos de hinos militares algo como: “rebrilha a glória”, “amor febril”, ou “O nosso Brasil a quem dedicamos o coração”. Quem há de contestar que abandonar a promissora carreira no exército pela dança, não seja dedicar o coração ao Brasil. A prova é que já tornou -se notável até mesmo fora dele. Como testemunha ocular de seus passos, saltos e piruetas registro aqui em forma de palavras, os meus mais calorosos e notáveis aplausos. Bravo!
Entre vídeos de trechos de espetáculo selecionei este do espetáculo “Cores Brasileiras” do DC companhia que atua até hoje:
http://www.youtube.com/watch?v=WJhMQTaVmMU
Para acessar e curtir a página Notáveis dos Açores:
http://www.notaveisazores.com/index.php?static=personalidades&action=verPersonalidade&personalidade_id=253
Em quem estiver pela cidade maravilhosa no início de maio e quiser aplaudi-lo fica a dica:
Espetáculo DISCOTHÉKE (Dança contemporânea)
10 a 19 de maio de 2013-19h
Centro Cultural dos Correios- Rua Visconde de Itaboraí, 20- Centro
Rio de Janeiro/RJ-Brasil
Informações e reservas: (21)22195165
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Luciáh Tavares é correspondente do e-cult Mídia Ativa, atriz profissional, dramaturga e blog writer. Cursou Bacharelado em Interpretação Teatral na UNIRIO- Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro.
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.