Por Marcos Haas
A maior sacada de bons roteiros é valer-se de clichês para construir uma história nunca antes contada. Isso ocorre em Amor, Plástico e Barulho (2013, Renata Pinheiro) ao contar a história de uma artista consolidada que acompanha o processo de ascensão de uma novata que ameaça tomar seu lugar, tudo isso situado no efervescente e barulhento cenário da música brega pernambucana.
Tendo como pano de fundo uma não tão implícita rivalidade entre Jaqueline (Maeve Jinkins), cantora da banda Amor com Veneno e a dançarina iniciante que sonha em se tornar uma estrela, Shelly (Nash Laila), o filme é eficiente em destacar questões como a efemeridade da fama e toca fundo em assuntos pertinentes às classes mais baixas de Recife ao tratar de uma cultura que é popular e marginalizada.
Jaqueline, no filme, representa o consolidado, logo ultrapassado e velho. Em sua fala mais memorável, ela compara a fama com um copo plástico, descartável. A alegoria do plástico está presente também nas capas de CDs e DVDs piratas, nos inserts de vídeos de YouTube, e em tudo aquilo que é de consumo rápido, inconstante e imediato. Aqui reside a metáfora que dá sentido ao filme, o ciclo que é a constante substituição do velho pelo novo. Amor, Plástico e Barulho é certeiro nos planos que contêm a clara dicotomia entre as casas populares que vem sido sufocadas ou demolidas para darem lugar para os grandes prédios que compõe o Novo Recife, cada vez mais comuns e notável fonte de incômodo presente em diversos filmes recifenses.
O frescor da obra vem por conta de Shelly, tanto pela potência de seu personagem quanto pela atuação de Nash. Representando o estágio embrionário de uma diva do brega, sua rivalidade com Jaqueline tanto no âmbito profissional quanto em joguinhos de poder que se desenrolam em suas vidas amorosas é o que impulsiona o filme, porém essa relação não cai no óbvio. Shelly e Jaqueline estão inseridas em um contexto claramente machista: Os homens são os empresários, Djs, radialistas, donos e organizadores da indústria. Para destacarem-se, elas têm de usar a sua beleza e sensualidade, mas a diretora tem um olhar sensível sobre isso, dando no fim das contas um ar de empoderamento da figura feminina, materializando duas personagens que são donas do seu próprio corpo e subvertendo a objetificação dele a ponto de desejar e objetificar o corpo masculino. Afinal, o brega, assim como qualquer cultura que nasce às margens de uma cultura “erudita”, acaba sendo sobre isso: subversão.
O filme talvez falhe (ou talvez não seja enfim seu objetivo) em retratar o universo da música brega, mais especificamente do recorte que se propõe a retratar. Tudo está ali: as cores, as luzes, a dança, todo o “glamour” e todo o drama. Mas essa atmosfera se perde neste último item; a linguagem e a narrativa às vezes dramática demais não parece refletir fielmente os lugares em que as personagens estão inseridas. A própria diretora, Renata Pinheiro, já havia feito um trabalho melhor ao roteirizar Faço de Mim o Que Quero (2009, Sérgio Oliveira e Petrônio Lorena) um documentário que expõe as várias facetas deste movimento cultural.
O que fica de Amor, Plástico e Barulho, é justamente que nada realmente fica. O filme não é construído em direção de um desfecho dramático, mas sim em cima de seu próprio estágio passageiro, intermediário. Ao fim do filme, quando a projeção termina, o espectador acorda do sonho junto com Shelly e nota que é mais válido (e prazeroso) a avaliação dos meios ao invés dos fins.
Leia também: Frisson – Cinco dias dedicado ao Cinema em Pelotas
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.