Entrevista com Thalita Fênix


Foto: Divulgação
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Ela está de volta! Talentosa e versátil, assim como a ave mitológica que a nomeia, ela possui o dom de se reinventar a todo momento. Tudo em nome da Arte. Thalita Fênix, esquenta um pouco as coisas por aqui, falando de seu novo espetáculo e muito mais.

“O povo negro é um povo lindo, que tem uma cultura Linda. Lutou muito pra ter a liberdade que eu tenho e quero dar valor a essa liberdade.” Thalita Fênix

Entrevista por : Isabelle Domingues

Após um tempo longe dos palcos, você está de volta com seu novo trabalho. Fale um pouquinho sobre ele.

O “Me Gritaram Negra” foi concebido dentro de uma disciplina do curso de Teatro e Dança – Licenciatura, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A gente deveria dirigir e encenar um espetáculo de nossa autoria. Escolhi trabalhar com essa música, da atriz e cantora, Vitória Santa Cruz, por se tratar de um poema muito bonito. Ele busca reflexão, traz toda uma carga histórica da raça negra, mas, ao mesmo tempo, faz com que as pessoas reflitam sobre isso, sobre a questão do negro e do bullyng.

Você permaneceu fiel à obra original da artista peruana ou fez algumas alterações, imprimindo sua marca ao espetáculo?

Sim! Ele já é cantado por Victória, mas não é dançado. Então, eu dancei e coloquei um pouco mais de percussão, mudei algumas coisas. Adaptei, na verdade. Dei a minha interpretação, mas sem perder sua natureza inicial. É um poema muito forte!

Por ser uma mulher negra ou representar a figura feminina num ambiente onde, em geral, os homens são a maioria, como o dos DJs, já chegou a sofrer algum tipo de preconceito?

Por ser uma mulher negra, sim, em algumas situações. É sempre de uma forma muito sutil, mas as pessoas que são negras sentem. \É um currículo que você vai deixar, aquele lugar onde, ao adentrar o ambiente, os olhares estão todos voltados pra você ou um alguém que deixa de sentar ao seu lado no ônibus, enfim, são pequenas coisas que a gente nota. O racismo é velado. Está escondido em gestos e atitudes que você percebe e que te deixam chateada. Mas de uma forma geral, nunca foi algo tão forte, como muitas pessoas sofrem. Eu nunca sofri assim, tão explicitamente. Era meio escondido, mas perceptível. Sempre foi!

E dentro do ambiente acadêmico?

Olha, dentro do ambiente acadêmico, não que eu tenha percebido. Por eu ser negra, não! Mas há comentários. Comentários que eu digo, assim, sobre posições políticas. Mas a gente tem que respeitar. Cada pessoa tem a sua opinião. Claro, mas desde que não fira a minha cor e a minha origem.

Como o teatro e a música surgiram na sua vida?

Eu comecei a fazer teatro na escola, no ensino médio. Me apaixonei! A dança também surgiu nesse período. E, particularmente a dança afro, sempre foi muito latente, muito forte em mim. É o movimento e a expressão do corpo. Eu sempre me justifiquei muito através do meu corpo.

Em “Me Gritaram Negra”, o quanto há de você na personagem?

Eu acho que 80% sou eu ali (rs) Porque trata da questão da mulher negra, de algo que também vivi na infância, então, transpassa por dentro de mim. Eu vivi, mas também já superei. Hoje em dia, sei a riqueza da minha cultura, aquilo que a minha cor traz e só tenho a agradecer. Reconheço o que os meus ancestrais passaram e tenho muito orgulho das suas conquistas, das barreiras quebradas. No entanto, sei que ainda temos muito que lutar.

A concepção do espetáculo é de sua autoria?

Sim. Foi eu que dirigi também. Terão atores em meio ao público, disfarçados e, num dado momento, irão surpreender as pessoas. Eles me chamarão de negra e, a partir disso, o poema vai se dar e nós vamos começar o espetáculo.

Quais as referências e artistas que inspiram você em sua carreira?

A maior musa inspiradora é a própria Victória Santa Cruz, mas, a partir dela, também me vem outras mulheres importantes. Mulheres da minha religião, como a mãe Iansã. A história dela sempre foi muito marcante, forte pra mim.

Quais são as suas expectativas para as próximas apresentações?

É atingir um número maior de pessoas. Buscar refletir, junto ao público, sobre a realidade do negro. É importante que os negros, cada vez mais, se sintam felizes com sua cor e possam lutar por seus direitos. A minha maior luta é essa! Luto pelo reconhecimento da raça negra. Mudar esse cenário horrível de preconceito e discriminação que a nossa sociedade possui. Não deveria ser assim, pois o povo negro é um povo lindo, que tem uma cultura linda. Lutou muito pra ter a liberdade que eu tenho e quero dar valor a essa liberdade.

Quem é Thalita Fênix?

Thalita Fênix é uma mulher intensa, que nasceu pra lutar. Veio ao mundo pra viver e pra tentar mudar esse mundo. Um pedaçinho nem que seja, um pouquinho nem que seja. É uma luz que acendeu e que um dia vai se apagar, mas que vai deixar algo. Não sei o que, mas algo no coração das pessoas ela vai deixar.

E uma mensagem para o seu público?

Para o meu público, primeiramente, é agradecer ao pessoal que está sempre presente, me acompanhando nas apresentações da faculdade e por onde vou. Me sinto muito grata, pois, sempre após uma apresentação, recebo o reconhecimento das pessoas. Percebo estar fazendo a minha parte, como mulher negra, cidadã e agente da cultura. Mais do que isso, como um ser humano.

Com estreia prevista para o mês de junho, ainda sem data marcada, o espetáculo fará parte do “Contadores de Histórias”, um evento de arte e educação organizado pelo grupo de Denise Bussolet, professora da Universidade Federal de Pelotas. Todas as apresentações são abertas à comunidade.

Determinação e talento são as marcas registradas dessa artista, que utiliza seu trabalho como forma de questionamento e reflexão da sociedade. Assim como seus últimos projetos, “Me Gritaram Negra”, certamente será um grande sucesso.