Crítica: Elis


Andreia Horta como Elis - Foto: Globo Filmes

Surpreendentemente, Elis funciona melhor na inocência do que no drama.

Por Calvin Cousin

Elis Regina é uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos. A gaúcha, cuja performance de Arrastão, de Vinicius de Moraes e Edu Lobo, talvez marque o início da Música Popular Brasileira, recebeu a honraria de revistas como a Rolling Stone e originou um acervo riquíssimo de canções de MPB, bossa nova, jazz e samba. Seus trabalhos em conjunto com Jair Rodrigues, Tom Jobim e Chico Buarque, entre outros, assim como a sua intensa vida – que resultou em uma morte precoce –, servem de inspiração para obras de diversos artistas em diferentes meios. Elis virou enredo campeão de escola de samba (a Vai-Vai, contando sua história, venceu o carnaval de São Paulo em 2015), de um musical que está em turnê pelo Brasil desde 2013 e de Elis, filme dirigido e escrito por Hugo Prata e estrelando Andréia Horta como a cantora.

Andreia Horta como Elis - Foto: Globo Filmes
Andreia Horta como Elis – Foto: Globo Filmes

Elis começa com a chegada da jovem, junto do pai, ao Rio de Janeiro pouco após da instauração da ditadura militar. Hospedada em um hotel barato e trazendo em sua maleta sonhos de ser cantora profissional e alguns poucos trocados, a tempestuosa Elis sai de um teste vocal muito aborrecida ao ser chamada de “cantora de churrascaria”. Como todos os pais do mundo, o pai insiste que voltem para sua zona de conforto, o sul do país, onde ela se apresentava em bailões. Como todas as filhas do mundo, Elis ignora o conselho e consegue emprego como cantora em uma casa noturna de Copacabana. O que segue é a história de vida de Elis Regina, passando por sua ascensão à fama, pelo programa O Fino da Bossa, o icônico corte dos cabelos, sua travessia do Atlântico e apresentação na França, o casamento com Ronaldo Bôscoli e a eventual separação, o casamento com César Camargo Mariano e a eventual separação, declarações polêmicas sobre os militares que resultaram em problemas com eles, que resultaram em um boicote às suas obras, o envolvimento com o álcool e com as drogas e sua trágica morte.

O filme, cujo roteiro é assinado por Luiz Bolognesi e Vera Egito, além de Prata, segue o mesmo caminho que muitos filmes nacionais utilizam para falar da vida de grandes e fortes personalidades (vem à mente Tim Maia, por Mauro Lima, 2014): um primeiro ato razoavelmente cômico e bastante enérgico, onde as peculiaridades do protagonista o tornam mais simpático para o público, e um desfecho melancólico, que faz sentido tendo em vista o triste fim que muitas figuras marcantes da música encontraram. Ainda que a fórmula seja tradicional, ela carece em dar profundidade para a complexa existência de Elis Regina, uma vez que toda a vida da cantora, seja sobre ou fora dos palcos, é espremida em menos de duas horas de filme. Ao invés de explorar os (muitos) eventos que permeiam a narrativa, a trama se torna episódica em sua segunda metade, quando a vida de Elis, de certa forma, começa a degringolar. Um acontecimento leva ao outro, mas são feitas poucas ligações entre eles, de modo que algumas partes do que é mostrado, como o término do segundo casamento da artista, pareçam forçadas e sem sentido.

Um dos motivos pelo qual a história perde força em seu decorrer é que um de seus principais elementos é quase ocultado: as drogas. A Elis do filme bebe e fuma, mas aparentemente não tanto quanto César diz ao apontar as neuras da personagem. A maconha faz uma ponta (sem trocadilhos) enquanto o pó nem é citado. Ao optar por uma imagem mais limpa da cantora, sacrificou-se o drama e a credibilidade.

A direção de Prata também é tradicional, optando por escurecer a tela antes de iluminá-la novamente quando ocorrem passagens de tempo, o quê contribui para a ideia de episódios consecutivos ao invés de uma única história. Ainda assim, é interessante destacar as contribuições da fotografia de Adrian Teijido, dos figurinos de Cristiana Camargo e da direção de arte de Fred Pinto: visualmente, o filme é gracioso e retrata com precisão o estilo de diferentes décadas. Como quase qualquer filme que retrate os anos de chumbo, as cenas externas têm uma tonalidade que se aproxima da sépia, mas as internas surpreendem com o jogo de luzes e sombras. Em meio à constante fumaça de cigarros, os atores aparentam estar sempre num palco, mesmo quando estão sendo interrogados e coagidos por militares.
O ponto forte da obra é o elenco, que conta com um simpático Ícaro Silva como Jair Rodrigues e um Lúcio Mauro Filho canastrão e amável na medida certa como Miéle. Gustavo Machado interpreta o primeiro marido de Elis, Bôscoli, ótimo num papel detestável, enquanto Caco Ciocler é desperdiçado como César, pelo personagem ser mais raso do que um pires. Contudo, o destaque entre os coadjuvantes é Júlio Andrade como Lennie Dale, um dos maiores amigos de Elis e que a ensinou a ter presença nas apresentações.

E essa presença é muito aproveitada por Andréia Horta, brilhante ao incorporar uma figura tão icônica. Os trejeitos exagerados estão perfeitos, seja no palco ou em cenas mais íntimas, assim como o sorriso: o momento em que a atriz aparece pela primeira vez com os cabelos curtos é assustador, vendo sua semelhança à Elis verdadeira. Dona de uma voz potente e que em nenhum momento desaponta, Horta deve fazer com que qualquer um sorria ao interpretar a “pimentinha”, como era conhecida devido ao temperamento, na primeira fase de sua carreira, com músicas alegres e atitude explosiva. Quando o drama se instaura, a atriz transpassa a tensão que sente sem perder a maneira descolada de falar e agir de Elis. É interessante que o longa de fato termine no momento em que a protagonista morre ao invés de gastar muito tempo mostrando como as pessoas de sua vida estão lidando com isso, afinal, o filme realmente é dela.

Entretanto, a história funciona melhor quando não é tão séria. Ainda que todos os dramas da cantora estejam na tela, e façam a plateia refletir sobre suas atitudes durante o regime militar, os acontecimentos são menos corridos e conseguem causar mais impacto nos momentos inocentes. Os estresses da chegada ao Rio de Janeiro, a alta energia das primeiras apresentações e a mais pura alegria da artista ao saber que cantaria no mesmo palco que Diana Ross mostram a grande personalidade de Elis Regina, um dos motivos pelos quais sempre será lembrada, independentemente do roteiro mediano de qualquer filme. Outro motivo, lógico, são suas canções, que na maior parte do tempo não tocam no fundo, tocam na frente.

Data de lançamento: 24 de novembro de 2016
Duração: 1h55
Faixa etária: 14 anos
Gêneros: Drama, biografia

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14264149_830693777030502_5101510297978826840_nCalvin Cousin é estudante no sexto semestre de Jornalismo na UFPel. Não acredita em horóscopo, mas é aquariano com Vênus em Peixes

 

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