“Não se pode negar a importância da representatividade e da coragem do filme ao apresentar a NASA como um ambiente segregado”.
Por Calvin Cousin
Indicações:
Melhor Filme
Melhor Roteiro Adaptado – Theodore Melfi e Allison Schroeder
Melhor Atriz Coadjuvante – Octavia Spencer
A corrida espacial foi um marco da cultura dos anos 1960. Fosse para dominar a tecnologia de satélites – e, consequentemente, da comunicação – ou apenar para inflar o ego dos patriotas, a disputa entre União Soviética e Estados Unidos transformou astronautas em heróis e despertou o interesse geral da população no cósmico, culminando no pouso de seres humanos na Lua, em 1969. Antes de alcançar a perfeição, inúmeras tentativas frustradas de ultrapassar a órbita terrestre foram postas em prática, destruindo caríssimos foguetes e torrando os cachorrinhos que tripulavam os mesmos. Esse cenário de ficção-científica fez contraste com a extrema segregação racial que o povo negro enfrentou (e enfrenta) nos Estados Unidos, ainda que algumas das principais responsáveis pelo eventual sucesso das missões espaciais fossem, justamente, mulheres negras.
Estrelas Além do Tempo é baseado no livro homônimo de Margot Lee Shetterly e conta a história real de três matemáticas negras que trabalhavam para a Administração Nacional do Espaço e da Aeronáutica – NASA, no início dos anos 60. Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe) são amigas que, em diferentes setores, se vêem entre as responsáveis pela missão de colocar o astronauta John Glenn (Glen Powell) em órbita, no que seria a primeira viagem espacial realizada por um ser humano. Cada mulher enfrenta seus próprios desafios em um ambiente de trabalho marcado pelo racismo e pelo machismo, que inclui escritórios e banheiros separados para mulheres negras.
As Três Estrelas
O filme, que ganhou o prêmio do Sindicato dos Atores para Melhor Conjunto, encontra seu ponto forte na atuação e caracterização das protagonistas, cada qual fascinante de sua própria maneira. Como Katherine Johnson, Taraji P. Henson tem o papel mais significativo, e o que apresenta o maior leque de emoções. Katherine é promovida para trabalhar no principal escritório da NASA, frequentado, quase que exclusivamente, por homens brancos. O local fica longe do banheiro para negras mais próximo, além de oferecer para ela uma cafeteira exclusiva. Não porque seus colegas de trabalho a acham merecedora, mas sim por não quererem dividir suas xícaras e seu café. Katherine não leva crédito pelos relatórios que produz, nem tem acesso às informações secretas, e essenciais, para resolver seus cálculos.
Mãe viúva de três meninas, a mulher é um prodígio em matemática desde a infância, e claramente mais competente que todos os seus colegas, mas deve correr o campus inteiro, de salto alto, cada vez que precisa ir ao banheiro. Com uma presença suave e uma voz doce, Henson incorpora uma personagem que acredita que gentileza gera gentileza, embora saiba se defender e reconhecer as injustiças que a cercam.
Após uma visita (na chuva) ao toalete, Katherine é repreendida por seu chefe (Kevin Costner) por estar perdendo tempo. Pela primeira vez, ela ergue a voz para reclamar de tal absurdo e seus olhos ficam marejados de lágrimas, revelando uma pessoa que guarda todas suas angústias e que pode entrar em ebulição a qualquer segundo. E de fato entra, pois a postura da personagem muda a partir desse ponto, reconhecendo que é mais capaz do que qualquer homem ao seu redor e que é merecedora de tantas congratulações quanto eles, ainda que nunca transpareça arrogância. “Versátil” é a palavra para descrever a fantástica performance de Henson, que vai de amável para desesperada ou extremamente confiante em um piscar de olhos.
Octavia Spencer, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por sua participação como a empregada Minny em Histórias Cruzadas, está novamente indicada à categoria por Dorothy Vaughan, chefe do departamento de calculadoras negras (destaque para a diferença entre os papéis: aqui, Spencer está em uma posição de poder). Uma figura de caráter forte, ao descobrir que ela e suas meninas serão substituídas por um computador, Vaughan toma as rédeas da situação e aprende tudo o que pode sobre programação em um livro que roubou da biblioteca para brancos. A personagem treina suas subordinadas para poderem manipular a máquina e seus esforços surtem efeitos. A expressão no rosto de Spencer enquanto conduz as demais funcionárias até seu novo local de trabalho, a sala dos computadores, é a de mais pura satisfação pessoal.
Janelle Monáe é Mary Jackson, uma mulher mais jovem que almeja se tornar engenheira, mas, para isso, precisaria cursar disciplinas especiais em uma escola exclusiva para brancos. Mais decidida do que Johnson ou até mesmo Vaughan, Mary leva seu caso para o tribunal. Em uma das cenas mais memoráveis do filme, a personagem apresenta para o juiz os motivos pelos quais deveria ser admitida na escola, concluindo que, se conseguisse ser a primeira a fazer isso, a vida de gerações futuras seria mais fácil. Monáe representa o fogo e os sonhos da juventude e, embora Spencer e Henson estejam ótimas em seus papéis, ela talvez esteja melhor.
Sobre os coadjuvantes, Kevin Costner é o chefe de Johnson e Kirsten Dunst é uma secretária. Ele, surpreendentemente simpático aos problemas enfrentados pela funcionária. Ela, o arquétipo daqueles que não querem admitir seus preconceitos. O roteiro de Theodore Melfi e Allison Schroeder, embora tradicional e cheio de segmentos em que se apresenta matemática pura, explora de forma satisfatória os personagens já citados, embora os demais careçam de profundidade. O militar de Mahershala Ali (indicado a Melhor Ator Coadjuvante por sua participação em Moonlight), que se relaciona com Katherine, é introduzido como um personagem antipático, mas muda de postura rapidamente, sem explicar o porquê ou dar tempo para que os espectadores absorvam a ideia. Quanto às atuações, Glen Powell bate sempre na mesma tecla de otimista como John Glenn e Jim Parsons, como um colega de Katherine, passa o filme inteiro com a mesma expressão – e o mesmo ritmo de fala – de consternado.
Do ponto de vista estrutural-narrativo, o longa não inova, e alguns de seus personagens são rasos o suficiente para distrair a plateia, além de ocasionalmente exagerar no nacionalismo. Entretanto, não se pode negar a importância da representatividade e da coragem do filme ao apresentar a NASA como um ambiente segregado. Ainda que esteja diluído (ou disfarçado), o racismo e o machismo estão presentes em todos os cantos da sociedade, inclusive na Academia, que por dois anos consecutivos não indicou atores negros e foi alvo das críticas #OscarsSoWhite. Ainda assim, Estrelas Além do Tempo é atestado de que, embora frequentemente ocultada, é impossível celebrar o suficiente a cultura e a história negra, trazendo à tona a essencial participação de três fortes figuras no desenvolvimento tecnológico do século XX.
Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures)
Direção: Theodore Melfi
Elenco: Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Kirsten Dunst, Kevin Costner, Jim Parsons, Glen Powell, Mahershala Ali
Duração: 127 minutos
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Calvin Cousin é estudante no sexto semestre de Jornalismo na UFPel. Não acredita em horóscopo, mas é aquariano com Vênus em Peixes.
Cultura a Três é uma parceria entre o site e-cult, tr3s Comunicação e a Universidade Federal de Pelotas. O projeto tem como objetivo ser uma oportunidade aos estudantes de Jornalismo que buscam experiência na área cultural, tão rica em nossa cidade.
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