Censura e perseguição: um grito de alerta no Dia Internacional dos Direitos Humanos


Foto Mariana Moltoni

O ano era de 1933, Hitler havia sido nomeado chanceler da Alemanha em janeiro. Em maio, para frear a degeneração da cultura alemã e promover uma verdadeira limpeza na literatura, mandou queimar, em praça pública, centenas de milhares de livros. Hitler e o partido nazista consideravam a livre leitura uma prática nociva ao avanço e consolidação do regime. Esse foi o pontapé inicial para uma série de práticas que marcaram a perseguição aos artistas e intelectuais na Alemanha durante as décadas de 30 e 40.

Em 2016, a ponte para o futuro de Temer e do Centrão extinguiram o Ministério da Cultura do Brasil. Por causa da forte mobilização da classe artística, que encontrou certo eco na grande mídia, o governo voltou atrás. Momentaneamente, a Cultura ganhou uma sobrevida. Não durou muito. Com a vitória de Bolsonaro, em 2018, uma das primeiras atitudes de seu governo verde-oliva-lavajatista-olavetano foi extinguir definitivamente o MinC.

Mas não foi só isso: apenas extinguir o Ministério da Cultura não era suficiente, era preciso queimá-lo em praça pública.

Incorporado ao Ministério da Cidadania e depois transferido ao Ministério do Turismo, o último ataque, que envolveu a exclusão momentânea de profissões ligadas às artes do cadastro de microempreendedores (MEI) e a retirada de cartazes de filmes nacionais do site e da sede da Ancine, representa o avanço da política de perseguição à diversidade e à pluralidade da cultura brasileira. Uma cultura que brota das matas, das florestas, dos serrados, das beiras de rio, das praias, dos mangues, dos sertões, das caatingas, da pampa, dos campos e dos mais diversos cantos e conexões das cidades. Uma cultura que tem tantas cores, corpos, vozes e passados que é impossível enquadrá-la em um único padrão, em uma única norma.

Primeiro eles tentam colonizá-los à sua visão de mundo. Depois, aos que resistem, sobra a eliminação. Esse é o mote da cruzada contra o “progressismo cultural” (sabe-se lá o que isso signifique) lançada por Bolsonaro e suas milícias. O ponto alto foi a nomeação de Roberto Alvim para o comando da Secretaria Nacional de Cultura, no dia 07 de novembro, mesmo dia em que a estrutura da Secretaria passou a ser comandada pelo Turismo.

Diretor da Funarte, Alvim decidiu entregar o Teatro Glauce Rocha para uma companhia evangélica para que o transformassem “no primeiro teatro do país dedicado ao público cristão”. Em setembro, chamou Fernanda Montenegro de “sórdida” e “mentirosa” em uma rede social. Mais recentemente, o MPF abriu investigação contra o Secretário para averiguar a licitude no pagamento de R$ 3,5 milhões em cachê à empresa de sua empossa, a Flo Produções e Entretenimento.

No cenário nacional e internacional, tem se dedicado a denunciar o que considera de “dominação na arte e na cultura pelo marxismo cultural”. Para ele, o governo tem que ter condições de formar um “exército de grandes artistas espiritualmente comprometidos com nosso presidente e seus ideais” e que estejam dispostos a “dar suas vidas pela edificação do Brasil, através da criação de obras de arte que redefinam a história da cultura nacional”. Por essa postura, tem colecionado vaias por onde passa, como aconteceu em Lisboa durante sua fala na Conferência Internacional das Línguas Portuguesa e Espanhola.

Mas não é só isso. Como parte da estratégia de sua “guerra cultural”, o Secretário recebeu “carta branca” de Bolsonaro para alterar comandos de órgãos ligados à Cultura, como fez na Fundação Palmares e na Fundação Biblioteca Nacional. As nomeações de Sérgio Camargo e Rafael Nogueira se somaram às de Camilo Calandreli, fundador do Simpósio Nacional Conservador de Ribeirão Preto, para a Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura; de Kátia Gouvêa, integrante da Cúpula Conservadora das Américas, para a Secretaria de Audiovisual; de Janice Ribeiro Silva, da Associação Cristã de Homens e Mulheres de Negócios, para a Secretaria de Diversidade Cultural; de Reynaldo Companatti Pereira, que se propôs a acabar com a “ideologia de gênero”, para a Secretaria de Economia Criativa.

Desde sua fundação, em março de 1985, o Ministério da Cultura nunca havia passado por um momento tão obscurantista como o atual. Essa acentuação do perfil ultraconservador tem espalhado terror entre artistas, produtores, gestores e público.

E tem ido além. A censura voltou à ordem do dia e a perseguição à arte nacional se tornou algo corriqueiro. Os ataques à produção de audiovisuais talvez seja o melhor exemplo desse momento no qual nos encontramos. A retirada de cartazes de filmes nacionais da sede da Ancine e de seu site no início de dezembro e a perseguição escancarada aos filmes Marighella, de Wagner Moura, e A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, exemplificam melhor ainda esse contexto de “lutar similar as cruzadas”, conforme palavras de Alvim.

Hoje, Dia Internacional dos Direitos Humanos, em que celebramos a conquista de direitos fundamentais para a garantia da dignidade humana e o pleno exercício da cidadania, dado os horrores dos eventos da Segunda Guerra Mundial e do Colonialismo, o direito à cultura novamente em xeque. A ideia fixa de criar miticamente um inimigo da nação e culpá-lo pela degeneração da cultura nacional não é nova. Já vimos no passado como começa e, tristemente, como termina. Não há vencedores. Hoje, o alerta está soando alto e precisamos prestar atenção nele.

por Dan Barbier
Historiador

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