Dica: (Leia a crônica ouvindo a música AQUI)
Estava com a galera bebendo cerveja em frente ao Lanches do Marcelão. Havia andado de skate durante a tarde, minha camiseta empapada de suor, secava com o vento de chuva que soprava no cair da noite. O Pequinho chegou no rolê vindo de casa, inteirou uma grana, e saímos para comprar mais latas de cerveja no bar 24 Horas. No meio do caminho, ele percebeu a parada de ônibus recém instalada na rua Dom Pedro II, pediu para filmar a manobra que ia executar, deslizando no banco de madeira. Foi um 50-50, a última manobra que ele acertou.
Meu amigo João Pedro, o Pequinho, ou PKO, como a turma do skate o chamava, foi um poeta. Mas não só escrevia: andava de skate, filmava, editava, pintava, fazia música… era um daqueles jovens sonhadores, sentindo prazer em viver, deslumbrado por arte. Tinha curiosidade e motivação para o progresso, para evolução. Caindo, levantando, repetindo o movimento, refazendo o processo, persistindo até acertar, como aprendeu no skate.
Após beber uma saideira no 24 Horas eu fui para casa. Tomei banho, servi um copo grande de leite com Nescau, fiz uma torrada de mostarda com queijo, comi e dormi. Acordei na madrugada por acaso, peguei o celular, li a mensagem no WhatsApp, vi a foto, e gelei.
Escrevi de volta:
— Como assim mataram o Pequinho? Bateram nele? Está no hospital?
A resposta não demorou:
— Foi assaltado lá no Porto e tomou um tiro.
O vento úmido soprava forte no pátio do cemitério. As pessoas se agrupavam dentro e fora da capela, fui pedindo licença até o ponto em que enxerguei o caixão. Parei sem conseguir avançar, com medo, meus olhos encheram de lágrimas. Foi um choque ver ausência de vida no rosto jovem do meu amigo. Em seguida, iniciou o cortejo. Logo nos primeiros passos, finalmente, a chuva desabou, e quando o caixão ia se aproximando da gaveta, transformou-se em tempestade.
***
João Pedro Nunes e Silva foi vítima de latrocínio no dia 15 de janeiro de 2020, tinha 22 anos. Poeta, deixou dois livros e uma série de originais (que vem sendo organizados pelos jornalistas Paulo Ienczak e Lucian Brum). Seus amigos skatistas nunca o esquecerão.
Texto: Lucian Brum
Arte: Wander Martins (@tattoowander)
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Jornalista.
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