O instante decisivo da minha fantasia de fotógrafo – Crônica


Uma senhora arrastava os chinelos pelo calçadão da Sete de Setembro. Com uma pequena toalha, ela secou o suor do rosto e seguiu brincando atrás da charanga de um bloco de sujos que alegremente deu início ao carnaval em Pelotas. O mormaço estava pra lá dos trinta graus, e o cortejo avançava lentamente, despertando sorrisos.

Apesar de achar interessante curtir uma pousada na praia com silêncio e livros, nesse feriado de carnaval, em companhia de minha câmera fotográfica, me encontrei zanzando pelas ruas para registrar a algazarra. Ao circular no bloco com cautela, pude observar foliões que pareciam vivenciar uma espécie de transe, em um estado de alteração da consciência, como se a música estivesse no controle dos seus sentidos, conduzindo seus corpos incorporados no ritmo da batucada.

Um riso à toa, uma gargalhada espontânea, a expressão de um estado natural de felicidade era o espírito que eu procurava capturar através da lente. E as pessoas sorriam, dançavam e cantavam. Num desses momentos de euforia, todos entoaram em conjunto uma loa tradicional: “É dia de rei / Já vou me aprontar / Não perco essa festa / Na terra ou no mar.

Com minha câmera no modo AV só conseguia pensar em f/4, f/5.6 – f/4, f/5.6… Era preciso agilidade para encaixar o rosto no quadro da teleobjetiva em close, nessa busca por retratos que o fotógrafo Arthur Omar chamou de “face gloriosa”. Assim eu estava quando avistei a senhora secando o rosto com sua toalha. Ajustei abertura para f/4, foquei em sua boca e, num átimo, ela abriu um sorriso. Foi o instante decisivo da minha fantasia de fotógrafo.

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