Nunca é ruim deixar de sonhar 


A paixão pelo skate na vida de Carlos Colvara. Foto: Lucian Brum

Agachei em frente à escada, encaixei o visor da câmera fotográfica no olho e organizei o enquadramento. Ouvi o skate bater no chão e o toc, toc, toc das rodinhas no friso entre as lajotas. De imediato, o skatista entrou no quadro e impulsionou o salto para cima do corrimão. Assim que começou a deslizar, apertei o botão disparador.

Fizemos a foto na primeira tentativa. Colvara sorria com o entusiasmo de quem experimenta algo pela primeira vez. “Andar de skate é muito da hora, estou me sentindo muito realizado. Passo por esse pico quase todos os dias e sempre pensei que um dia iria descer esse corrimão”, disse, enquanto nos retirávamos, pois o segurança do Shopping Zona Norte veio informar que ali era proibido andar de skate.

Backside rockslide executado de primeira – Foto: Lucian Brum

Carlos Roberto Leal do Espirito Santo Colvara, ou simplesmente Colvara, como se apresenta no Instagram (@colvaras). O skatista chegou esse ano à maioridade, mas já são seis anos desde que decidiu se dedicar ao skate. “Eu era bem mandinho quando olhava no Esporte Espetacular o Bob Burnquist mandando manobras na Mega Rampa e comecei achar aquilo muito da hora’’, contou. Na época, seu pai já havia comprado um skate, que ficava solto pela casa e era tratado apenas como um brinquedo. Quando entendeu o processo das manobras e começou a sentir prazer em andar sobre rodas, agarrou o skate e não largou mais.

Foi nos obstáculos construídos pelos skatistas no Ginásio Municipal que o Colvara começou a desenvolver suas habilidades. Em 2019, a Pista Pública de Pelotas (PPP) estava em ruínas, e não havia um local adequado para praticar. No dia a dia do Ginásio, ganhou um apelido pelo qual ainda é conhecido pela galera. “Eu estava começando a andar e não tinha roupa de marca. Apareceu lá em casa uma camiseta larga, toda preta, com ‘Ranço’ escrito na frente. Então eu pensei, essa aqui tá da hora, vou com ela dar um rolê no ginásio’’, contou o skatista. E continuou: “Nesse dia, estavam andando o Gabs (@gabsantoskt) e o Babalú (@adrian_sktt), e toda vez que eu acertava uma manobra, o Gabs falava: – E aí, Ranço. Depois, em qualquer rolê que eu chegava, o Gabs repetia: – E aí, Ranço’’. Quem recebe um apelido, normalmente fica brabo, mas, a brincadeira foi feita por um skatista que é referência para o Colvara: “O Gabs é uma baita inspiração pra mim. Ele é muito gangueiro. O cara é pilacagem pura. Manobreiro e rua pra caralho”.

Pulando sobre o Fusca – Foto: Lucian Brum

Encontrei o Colvara em meados do mês de abril para fazermos uma sessão de fotos. Escolhemos ir até a loja Havan, onde há um amplo estacionamento e uma série de obstáculos ao redor. Na área de carga e descarga, há um degrau elevado onde os caminhões encaixam a carroceria baú para facilitar a retirada das mercadorias. O degrau deve ter cerca de 1,70 metro. Foi então que decidimos transformar um Fusca em obstáculo. De cima do degrau, Colvara saltou sobre o Fusca e, na terceira tentativa, aterrissou no chão com perfeição. 

Seguimos de Fusca pelas ruas, ouvindo o rapper De Leve cantar: “Essa é pros que andam de Havaiana/ contra toda pessoa que abana/ pra longe a cultura sul-americana/ e são malvistos nos lugarem que entram, nos restaurantes que vão/ quando barram a entrada social, a solução/ é entrar pelo vão/ aos que deixam de ir em festas porque não têm uma calça limpa/ no brechó nenhum tênis calça, o quanto mais cê garimpa/ seu macacão cê mente que a nova moda é alça ímpar/ no restaurante finge dieta e come salsa com azeite/ pra não gastar dinheiro com ônibus, anda de skate/ seu sogro acha que cê é atleta porque não sente frio e não toma leite/ essa é dedicada pra cada maluco que já foi confundido/ com ladrão/ e ficou preso na porta giratória de tão/ mal-vestido/ pra todos aqueles que só mudam de camisa,/ mas ninguém percebe porque/ o pacote são 3 iguais/ GG e lisa/ praqueles que foram parados/ na porta das Americanas acusado/ de roubo de suco Del Valle/ só tendo no bolso um vale/ pros que perderam emprego por causa da aparência/ 2 meses depois a empresa do cara/ que avaliou/ declarou falência/ porque cê foi contratado por outra agência/ concorrente que deu preferência/ não à roupa, mas à inteligência’’.

E chegamos à casa do Colvara, no bairro Santa Terezinha. Ele foi trocar de camiseta, e aproveitamos para beber água. O quarto revela a personalidade do morador, e, no caso do Colvara, as características de juventude e rebeldia são explícitas: pintura nas paredes, pôsteres de profissionais, uma série de shapes quebrados, medalhas de campeonatos, cadernos com desenhos, adesivos e revistas espalhadas. Tudo envolvido numa fragrância de álcool, suor e fumaça de ganja. Um legítimo quarto de skatista.

Quarto de skatista – Foto: Lucian Brum

Substituindo a antiga PPP em ruínas, em 2022, um moderno skate park foi inaugurado no Parque Dom Antônio Zattera. “Uma pista com obstáculos que só víamos no Instagram’’, disse o skatista. Desde então, o Colvara tem treinado diariamente com foco na evolução. Hoje, com o apoio da loja Goma Street Store (#brotanagoma), o skatista se sente feliz pelas suas escolhas: “Conhecer pessoas, estar numa marca da hora, estar no meio do rolê – viver o skate, para mim, é um crescimento físico e mental’’.

Um sol de primavera deixava o clima agradável para atividades ao ar livre. Rodeada por árvores centenárias, a PPP estava lotada de crianças, jovens e adultos praticando manobras e curtindo a tarde de sábado. Reencontrei o Colvara para fazermos uma foto na pista. Escolhemos o obstáculo chamado pela galera de “vulcão’’. O céu estava limpo e os raios do sol deixavam as cores vibrantes. Com o vai e vem dos skatistas, demoramos um pouco para conseguir deixar apenas o Colvara na composição. Quando abriu o espaço, a execução do backside air saiu com naturalidade. “Eu pretendo levar o skate como estilo de vida. Para mim, isso é um sonho. E um sonho é um objetivo, uma meta de vida. Nunca é ruim deixar de sonhar’’.

Backside Air no ‘vulcão’ da Pista Pública de Pelotas – Foto: Lucian Brum

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