Cine Tabajara – da fila da bilheteria a fila do dízimo


Cine Tabajara, um espaço de cultura que virou igreja e deixou saudades na cidade que já foi considerada a capital das telonas.

Às 16h30 do dia 1 de outubro de 1963 na rua General Osório n°1087, foram abertas as portas do grandioso e moderno Cine Tabajara. Ele que fugia do estilo dos cinemas da época chegou a Pelotas com a missão de enriquecer o patrimônio artístico e arquitetônico, contribuindo assim para o maior engrandecimento social da cidade. Além de convidados e diretores da Empresa Cinesul autoridades fizeram parte da sua inauguração, como o ex-prefeito de Satolep João Carlos Gastal.

O Cine Tabajara seria mais um empreendimento da Empresa Cinesul na Princesa do Sul, seu primeiro cinema às margens da Lagoa dos Patos foi o Cine América, um verdadeiro sucesso.

“Seus dirigentes, homens idealizadores e de larga visão, vendo o sucesso desse seu primeiro empreendimento, pensaram logo em construir outro cinema, mais moderno em suas linhas arquitetônicas e que oferecesse aos seus frequentadores, ao público da cidade-princesa ainda mais conforto. Não havia dúvidas: Pelotas necessitava de cinema moderno e confortável. E assim surge o CINE TABAJARA.”, trecho de notícia publicada no Jornal Diário Popular no dia 1° de outubro de 1963 – acervo Diário Popular, Biblioteca Pública Pelotense.

Reprodução Internet

A Face Oculta no Cine Tabajara

Uma grande tarde para os amantes da Sétima Arte que receberam um mega cinema, dotado de 950 poltronas estofadas e obedecendo aos mais modernos requisitos da técnica e estética, com o almejado conforto. O filme que marcou sua inauguração foi “A Face Oculta”, um filme estadunidense de 1961, do gênero faroeste, estrelado e dirigido por Marlon Brando.

O advogado Francisco Oliveira esteve na inauguração do Cine Tabajara e lembra que ele chamou muita atenção na época, por ser muito amplo confortável e tinha um sistema de som excelente. “Ia muita gente para o cinema, formavam filas gigantescas, bom naquela época se tinha um filme bom era óbvio que tinha que correr para não pegar fila.” completa o advogado.

Relembrando um pouco sobre a estrutura interna do cinema, através de relatos de frequentadores, era considerado o maior e melhor da cidade, pois tinha projeção em 70 mm. O interior era todo vermelho e branco, as poltronas eram confortáveis com encosto de madeira e almofadas.

Um dos seus diferenciais era o ar condicionado silencioso. Um saguão amplo, nas paredes detalhes em gesso. Escadarias com corrimãos em bronze, tapetes vermelhos. Possuía um mezanino, sua parte de baixo lembrava um anfiteatro, três fileiras de cadeiras, uma no meio, e duas nas laterais, separadas pelos corredores de acesso. No hall de entrada ficavam os tradicionais baleiros.

Domingos no Cine Tabajara

O Tabajara lotava nos finais de semana, principalmente nos domingos. “Nos domingos todos familiares reuniam na casa da minha avó, tios e primos. E nossa babá levava todos os primos na sessão de domingo à tarde. Imagina a bagunça, lembro de assistir filmes dos Trapalhões. Depois mais velha um pouco, tínhamos o costume de ir aos domingos à noite, era um programa certo. Ia a turma do colégio, não só no Tabajara como nos outros também.”, relato da Corretora de Imóveis Clarissa Sedrez.

Um cinema que marcou a adolescência de muitos pelotenses tinha quem ia para assistir os filmes, quem ia para paquerar ou jogar conversa fora. Localizado fora do grande centro, mas bem próximo a Avenida Bento Gonçalves, que na época ainda era conhecida pelos bares, lancherias e trailers.

A artista Luciáh Tavares comentou que era um clássico ir comer um X na Avenida antes ou depois de assistir algum filme no Tabajara. “Foi na adolescência que mais fui ao Cine Tabajara, final dos anos 80, quando a escolha de ir ao cinema era de última hora, sempre escolhia o Tabajara, pois não era tão cheio quanto os cinemas do centro. E por ser ao lado da avenida acabava sendo uma boa opção, pois antes ou depois do cinema se comia um X na Bento. E a avenida e os bares em torno da Boca do Lobo eram ‘o point’, então era bem prático.”, ressalta a artista.

Reprodução foto no Mercado Livre.

Matines no Cine Tabajara

As matines também fizeram parte da história do Cine Tabajara, assim como as colações de grau que ali foram feitas. Havia opções para todos os gostos, o Tabajara foi palco de várias sessões temáticas. Em uma época lá no final dos anos 80, início dos 90 houveram várias sessões de filmes de rock, como “The Wall” do Pink Floyd, o “Let There be Rock” do Ac/Dc.

Uma das sessões mais comentadas pelos antigos frequentadores foi a sessão “Cult”, uma sessão mais voltada a arte, passavam filmes clássicos. “tinha um clube de cinema em Pelotas e durante muitos anos nas sextas-feiras ou sábados na sessão das 22h eram filmes especiais, filmes de arte, o pessoal do cinema ia, a gente assistia filmes de melhor qualidade, filmes que não eram tão comerciais.

Depois havia um debate e isso durante muito tempo aconteceu no Cine Tabajara.”, relato do advogado Francisco Oliveira. Segundo o jornalista Luiz Carlos Vaz, eram realizados os ciclos de cinema francês até o fim dos anos 90. Eram filmes “cult”, onde ia um público menor, mas a direção do cinema entendia que se qualificava diante do público com esses festivais.

Fotos: arquivo Cia Z

Cia Z de Teatro

Assim como o Theatro Avenida acabou virando cinema, o Cine Tabajara no inicio dos anos 90 deu espaço para a Cia Z de Teatro para fazer suas apresentações teatrais pela manhã e a tarde como opção de espaço para levar as escolas ao teatro/cinema com o projeto “A Escola vai ao Teatro” que a Cia Z desenvolvia.

A artista Luciáh diz ter assistido peças teatrais no local e lembra do descaso com a estrutura que já estava começando a aparecer no cinema. “Eu assisti o “Eu chovo, Tu choves, Ele chove…” e “Os Saltimbancos” ali, espetáculos na qual vim a compor o elenco posteriormente.

Fotos: arquivo Cia Z

Mas neste período o Tabjara já estava com a parte do palco em más condições, tanto que uma das clássicas histórias da Cia Z de Teatro, passa por aquele palco, quando uma das atrizes da companhia, durante uma apresentação de “Os Saltimbancos”, sumiu dentro do palco por conta de uma tábua podre do assoalho.”.

Esse espaço cedido para o teatro se deu por conta da crise que estava se iniciando no Tabajara, o público havia diminuído, as sessões se concentraram nos finais de semana e o momento nacional para o cinema estava difícil. E ao longo de todo o ano de 1992 o Cine Tabajara foi o principal local de apresentações da Cia Z de Teatro para execução do projeto “A Escola vai ao Teatro”. No início de 1993 a Cia Z ainda usava para ensaiar o espetáculo “Os Saltimbancos” antes de uma tournée da companhia pela fronteira.

Vídeolocadoras

Um dos motivos para ter encerrado suas atividades teria sido a entrada e popularização do uso do videocassete nas casas pelotenses. Assim foram aumentando o número de vídeolocadoras espalhadas pela cidade. Uma forma mais acessível de assistir filmes na época, as administradoras dos cinemas de calçada, não tinham mais o mesmo retorno financeiro.

Além do aumento de vídeolocadoras era mais rentável deixar o filme numa sala de cinema de shopping que colocar num cinema em que o público se reduzia ano após ano. Outro fator como já citado foi a Política Nacional da época, o a produção cinematográfica brasileira estava correndo risco, nada diferente do que vivemos na atualidade.

Foto: Camila Santos

Mais um Cinema que virou uma igreja, há relatos de que o enfraquecimento da Igreja Católica aumentara o crescimento de novas igrejas que hoje são fortíssimas no país. Estas igrejas ao verem o crescimento de seus fiéis precisavam colocar estes em espaços maiores e o alvo foram estas salas de cinemas que não davam mais lucro apenas com a exibição de filmes nos finais de semana.

Antes dos filmes tocava uma música para abrir a cortina que cobria o telão. Para os amantes da Sétima Arte essas cortinas em Pelotas ficaram escassas, a música não se escuta mais. A princesa do Sul merece (re)viver essa efervescência cultural que agradava a muitos, pois os comentários de saudades dessa época eles não são poucos.

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