Sobre Serginho, Pelotas e Europa


Não sei quase nada da pessoa do Serginho, nosso músico de rua mais famoso, que na próxima sexta (13/07) faz um show de lançamento de CD e despedida, antes de partir pra Inglaterra. Nem sei o motivo da “turnê” no velho mundo. Só conheço o que o Serginho representa. Com a vassoura, o microfone do Azeite Gallo, os dreads, as músicas que se equilibram entre a indignação e a piada, ele é a personificação musical, se isso é possível, daquilo que a cidade seguidamente não consegue ou não quer expressar. Serginho é aquela pulga atrás da orelha que não deixa a Pelotas oficial dormir com a consciência tranquila.

Não é o único que desempenha esse papel, claro. Mas é a melhor síntese. Não por acaso, ele transita entre os artistas, o “underground”, e é conhecido por estar todo dia ali na praça, incrustado no Centro Histórico, lembrando em diversas entonações que Pelotas não é Europa. Em uma cidade recheada de grandes músicos, que recebe outros tantos do mundo todo regularmente, Serginho faz questão de manter algum descaso com técnica e afinação. Os poucos acordes que ele usa bastam, e nem são os mesmos cada vez que ele toca. Seu instrumento, o dito “vassourolão”, chama mais atenção pelo visual do que pelas propriedades sonoras. Visual não exatamente elegante, é claro.

As letras, entre cantadas e declamadas, repetidas e agrupadas aleatoriamente, são como um documentário da vida local. Dos cantos obscuros, ele canta o guardanapo e o Velho Barreiro da galera, a decepção com a guria que agora gosta de Calypso e dramas causados por álcool e drogas. Do centro, do mundo das aparências no qual, querendo ou não, a maioria de nós vive, pede música, teatro e cinema, enquanto desdenha a Fenadoce, a Baronesa, e debocha do deslumbramento pelos medalhões, improvisando a voz de uma provável dama da alta sociedade.

“Ó Princesa, eu fiz tudo pra você, e o que você faz pra mim?”, ele tem perguntado ultimamente. O Serginho tá aí faz uns bons anos, nem sei quantos. Não é a primeira vez que ele vai dar uma volta, e é provável que volte. Mas é igualmente simbólico que no mês do aniversário de 200 anos da cidade, tempo de alegria obrigatória, ele anuncie uma ida à Europa de verdade, e deixe um CD. Parece uma questão de amizade, daquele bruxo que te larga a real e te deixa pensando a respeito. Pra Pelotas oficial entrar mais em contato com as outras, e começar o terceiro século querendo ser mais Pelotas.

Por: Roberto Soares Neves