Por uma unha


unhasOutro dia eu aguardava minha vez na sala de espera de um consultório médico. O tempo não passa quando ficamos de olho nos três ponteiros. Resolvi folhear uma revista (daquelas de cultura duvidosa) e uma matéria logo me distraiu. Dizia ser possível, pelo modo como são feitas as unhas de uma pessoa, deduzir diversos aspectos de sua vida pessoal. De cores e formas se pode escavar tesouros da personalidade do sujeito. Tonalidades fortes ou suaves do esmalte, por exemplo, separariam a mulher extrovertida da tímida. Nos formatos do corte estaria talhada a boêmia ou a do lar. A verdade estaria toda lá. Não mais nas palmas das mãos, mas nas metafalanges. Se feitas em casa ou no salão, apontariam ramos de procedência social diferenciados.

Continuei lendo embora achando absurda a proposta. Conforme a revista, fazer as unhas com a manicure poderia indicar ainda a mulher inserida no mercado de trabalho, com pouco tempo para tratar ela mesma das mãos. Na contramão do raciocínio estaria a mulher de negócios ou a perua que, após as compras no shopping, aproveita para fazer as mãos no salão de luxo, no próprio shopping.


Os homens não escaparam da tese em questão. A matéria citava como exemplo o chamado metrossexual – estereótipo do homem-modelo que cuida da aparência numa atitude quase religiosa de amarás a ti mesmo sobre todas as coisas. E ali estava a preocupação com as unhas. Cortes retilíneo-simétricos, cutículas etéreo-subtraídas serviriam de base para o brilho do homem atual, bem sucedido, sensível. Aqui em Pelotas não se vê essas frescuras.


Definitivamente cada vez mais me parecia não ter fundamento algum a tal leitura. Já pensou o homem da campanha fazendo as unhas? Lá pras bandas da fronteira, que se saiba, o gauchaço ainda corta as garras com facão. E a turma da cidade-grande? Sei não. Eu meto o calcanhar na beira da privada e mando ver com aquela maravilha da engenharia chamada de cortador-de-unhas. Mesmo em lugares públicos pode-se lançar mão do dito instrumento para dar uma aparada nas sobras. Domingo passado ainda vi um senhor de idade, perna dobrada e pé no banco da Praça podando as pontas amadeiradas dos cascos.


Difícil. Muito difícil acreditar na revista. Mas fez pensar no assunto. Até dei uma examinada nas mãos dos demais que esperavam o chamado médico. Ao menos o tempo ia passando mais rápido enquanto aguardava minha vez no consultório. Tinha unha de tudo que é jeito. Hoje em dia não tem padrão. Tem escritor que pinta unha. Vão dizer o que? Eu perguntei pra ele se era um alter ego ou seu lado feminino. Ficou doido: “tu tá louco, tchê?” Contou que era pra não lavar a louça em casa. Que aprendeu com a patroa. Enfim, que esperar de um ficcionista, senão uma resposta criativa?

“Próximo!” – O médico me chamou para o famigerado exame e, ao entrar na sala, não pude deixar de analisar suas mãos, unhas curtas e bem feitas. Menos mal, pensei.


*Márcio Ezequiel – Escritor.

www.marcioezequiel.blogspot.com

* Natural de Porto Alegre, mudou-se em 2009 para Pelotas. Historiador e escritor. Mestre em História pela UFRGS. Estudou a Literatura de Viajantes no RS no século XIX.  Publicou o livro: “Alfândega de Porto Alegre: 200 anos de História” em 2007. Atualmente dedica-se a narrativas breves: crônicas, contos e minicontos.



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