A luta tem que continuar!
Por Camila Santos e Júlia Müller
Entre flores e bombons, o dia oito de março é, ainda, mais um dia de luta para as mulheres. Assédio, violência e o machismo presente no mercado de trabalho são apenas alguns dos obstáculos enfrentados por aquelas que são ovacionadas no Dia Internacional da Mulher. Em Pelotas, por exemplo, enquanto 64,9% dos cargos de direção de empresas são ocupados por homens, as mulheres ficam – bastante – atrás no ranking, ocupando 35,1%.
A trajetória de luta das pelotenses alcançou muitos trunfos, como a criação do Conselho da Mulher e da Delegacia Especializada em Atendimento a Mulher (DEAM). De 2018 para 2019, o índice de feminicídio na cidade baixou em 67%, com o registro de sete tentativas de feminicídio e duas mortes, comparadas as seis mortes ocorridas há dois anos. Apesar disso, os alertas de locais perigosos às mulheres e rostos de assediadores nas redes sociais são diários.
Fundado em 1991, o Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas (Gamp) é o mais antigo coletivo feminista de Pelotas. A ONG é composta por mulheres das mais diversas áreas de atuação, como psicólogas, advogadas, pedagogas, professoras, jornalistas, assistentes sociais, estudantes e donas de casa que atuam de forma voluntária. Diná Lessa é uma das integrantes do grupo e hoje ela ocupa uma das sete cadeiras de tomada de decisão do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, plataforma que foi criada a partir da luta do Gamp.
“Conselhos são espaços legítimos e previstos na constituição brasileira de controle e fiscalização da política pública. O significado do Conselho é exatamente fundamental para o controle e efetivação da política pública para as mulheres e meninas”, explica. O Gamp também foi responsável por outros espaços de acolhida à mulher, principalmente aquelas em situação de vulnerabilidade social e que passaram por casos de violência.
“Os avanços são lentos mas eles estão por aí. Nós nos sentimos, modéstia à parte, responsáveis por ter trabalhado e acompanhado a formação do que hoje conhecemos como a Rede Municipal de Enfrentamento à violência contra mulheres e meninas”, complementa.
Além da DEAM, a Rede é formada pela Casa de Acolhida às mulheres em situação de violência (Casa Lucyety), o Centro de Referência da Mulher em situação de Violência, Coordenadoria Municipal da Mulher e a Sala Lilás no Instituto Médico Legal.
As mulheres vêm ganhando cada vez mais espaço de fala na sociedade, mas ainda não se compara a amplitude vocal que os homens recebem. Difícil ver mulheres em grandes cargos de poder, inclusive na política. Em Pelotas, 21 vereadores compõem o quadro de parlamentares da Câmara de Vereadores. Somente quatro são mulheres: Zilda Burkle (PSB), Daiane Dias (PSB), Fernanda Miranda (PSOL) e Cristina Oliveira (PDT). Há também a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB), como a figura feminina que ocupa o cargo de mais alta importância na tomada de cidades da cidade. É a primeira prefeita mulher na história da Princesa do Sul.
É a vez delas na tribuna
Na busca por igualdade de gênero, todos necessitam do seu espaço de fala. Temas como assédio, maternidade, aborto e carreira, devem ser abordados por quem vive eles e sente diariamente na pele a dificuldade de ser mulher. As mulheres na política estão lá para falar sobre coisas que passam despercebidas pelo sexo masculino.
Para Daiane Dias (PSB), o ato machista mais visível dentro da Câmara é o fato de fazer praticamente 15 anos que não se tem uma mulher na presidência da mesa. “Os homens não se unem para colocar uma mulher. Só vai falar sobre as pautas da mulher, sobre a violação do corpo, sobre a importância do reconhecimento, da questão das dificuldades e equidade de gênero, quem é mulher”, ressalta a vereadora.
A parlamentar é a primeira mulher negra a subir ao plenário com voz para exercer a tomada de decisões e representar o partido. A falta de representatividade entre os vereadores tem consequência direta nos rumos da cidade e nas políticas públicas que afetam diariamente mulheres, homens, crianças e idosos. “Ter mulheres no Legislativo é uma coisa que tem que se tornar regra. Nós ainda somos minoria nos espaços de poder e decisão, sempre tem um outro falando por nós e nós não podemos mais permitir isso”, completa.
A maior representante da luta pelos direitos da mulher dentro da Câmara é a vereadora Fernanda Miranda, que já sofreu ataques por parte dos colegas parlamentares. Psolista, Fernanda se voluntariou para ser vereadora em 2015, para representar as ideias do partido dentro da Casa do Povo. Ela traçou uma trajetória política que começou como conselheira tutelar e hoje segue na tribuna. “Não é fácil ser mulher dentro da Câmara, dentro de espaços comuns e os de tomada de decisão”, frisa.
A carga de trabalho e o peso social que recai em cima dos ombros das mulheres é um dos motivos pelos quais ela acredita ver tão poucas nos espaços políticos. “É toda uma carga de maternidade, trabalho, estudo. Não é fácil”, conta. Dentro da Câmara, a proposição de pautas voltadas aos direitos de minorias sociais, como as mulheres, negros e a comunidade LGBTQ+ não é tão bem vista. “Nós temos aqui muito representantes no qual os interesses não são da maioria da população. Fora daqui nós temos um grande respaldo, a força das ruas é a mais forte”, explica.
Em contrapartida, Cristina Oliveira (PDT) acredita que não sofre preconceito por ser mulher, mas sim pela política, por ser de oposição ao governo atual. Porém, ela diz estar ciente sobre o machismo que existe no ambiente. “Eu entendo que é mais por causa de política, por pertencer a base do governo. Nós temos muitos atritos aqui dentro em relação a base e a oposição. Eu sou de oposição ao governo, então a gente tem sim dificuldades em aprovação de projetos, mas eu não entendo que isso seja por eu ser mulher”, acredita.
A cerveja que mudou os rumos da cidade
Foi em 1998, em um dia em que Paula saiu de casa para beber uma cerveja com uma amiga de infância, Sandra Castilho, no bar Cruz de Malta, que o espírito político floresceu na atual prefeita da cidade. Paula conheceu Bernardo de Souza nesta noite e desde então criou esse vínculo com a política. No início ela acompanhava o parlamentar em sua campanha, ajudava na redação de textos. Ela foi braço direito do ex-prefeito por cerca de sete anos. Neste período, Paula foi a primeira mulher a ser coordenadora da bancada do PPS na Assembleia Legislativa de 1999 a 2004 e chefe de gabinete de Bernardo, enquanto ele era prefeito de Pelotas, de 2005 a 2006.
Em 2005, a prefeita conheceu o garoto Eduardo Leite, anos depois o mesmo a convidou para ser sua vice-prefeita. Na época, Paula estava fora do país, tinha se afastado da vida política e foi em busca de dar um gás na carreira de professora universitária. Ela conta que nunca descartou o convite, assim que voltou para o Brasil o acaso uniu os dois políticos e fizeram sua campanha em 2012. A população elegeu a dupla e para Paula era uma novidade esse mundo, ser uma figura pública, pois sempre viveu a política nos bastidores. Eduardo não quis se reeleger, então naturalmente Paula foi lançada como a nova candidata a representar a prefeitura da cidade. Se filiou ao PSDB, se candidatou e se elegeu no primeiro turno.
Um marco na história da cidade, pela primeira vez uma mulher foi eleita como Prefeita. “Para mim foi algo muito marcante, muito tocante. Agora estou aqui como Prefeita, muito honrada pela confiança que recebi da população e também por representar as mulheres”, afirma.
“Quando a mulher assume um cargo político, um cargo de poder e de visibilidade pública, ela tem todas as responsabilidades inerentes a aquele cargo e tem mais uma que é bem representar as mulheres, que é para tirar a desconfiança que ainda existe advinda do preconceito, mais que ainda existe em relação a mulher na política”, ressalta a Prefeita.
Para Paula, o fato de não haver tantas mulheres na política não é culpa só dos eleitores, mas sim dos partidos e da falta de mulheres interessadas por política e é preciso entender a causa disso. Porém, a mesma lembra que as mulheres sempre tiveram que lutar muito por igualdade em outros campos que precedem o do poder. “O primeiro é o campo familiar, a igualdade dentro de casa levou um tempo para se conseguir. Antes precisavam da autorização dos pais para casar, depois tinham que depender da autorização do marido para muita coisa. Do ponto de vista histórico, foi ontem que a mulher teve direito ao voto. E depois teve que lutar pela igualdade fora de casa, no mercado de trabalho. Então, são muitas lutas e agora acho que estamos vivendo esse terceiro momento que é o da luta na esfera pública e política”.
Faça um comentário