Entrevista: Renato Cabral por Guilherme Oliveira


Tem coisas que o jornalismo sério, objetivo, comprometido com a verdade, não compra. Ou não vende. Ou, se vende, não entrega. Para obter resultados inovadores e novas coisas vagamente parecidas com verdades, convocamos nosso colunista e teórico extraoficial Guilherme Oliveira para entrevistar o cineasta Renato Cabral.

Entrevista: Renato Cabral

por Guilherme Oliveira

Saludos, cabrón. Como ganhei da equipe oficial no primeiro campeonato de par ou ímpar disputado apenas por barbudos de cachecol via Instagram, conquistei o admirável privilégio de te entrevistar. Por entrevista, por favor entenda uma série de perguntas sorrateiramente escolhidas por mim para que EU pareça inteligente e consiga destacar o meu trabalho, encaixando nas perguntas todos os vocábulos sobre semiótica que consegui decorar nos últimos dias que passei na wikipedia e no google books.

1. Então, qual é a boa? Aqui podes falar dos teus projetos em desenvolvimento, do que andas fazendo para sobreviver e do que anda ocupando tua cabeça por esses últimos dias. Meu pedantismo não vai te dar muito espaço pra isso depois.

Nos últimos dias terminei o BOM-DIA, mais um curta metragem com carinha de festival. E fiz MAD DOG, um curta/clipe com o melhor de POR UM PUNHADO DE BLUES. Acredito mais nesse trabalho porque o projeto do BLUES era de uma banda e tive que seguir algumas coisas que não concordava. MAD DOG tem a essência do longa, mas num fôlego só, sem encher o saco de ninguém. É o trabalho que acredito e que quero divulgar. Se tiver fôlego vai ganhar as praças, as ruas e os corações. Se não, vai pedir trocado no sinaleiro… Além disso estou terminando um novo filme, com carinha de internet e de viral. Conta a história de 3 atletas deficientes. Na verdade não é um filme sobre a vida deles, mas que fala por meio deles.

2. Numa avaliação sincera, qual a porcentagem de tempo que tu dirias que a tua equipe passou dando em cima de atores e atrizes nesses últimos anos? Como é essa relação dos cineastas com as amantes?
O pessoal é discreto, mas eu não. Que graça teria fazer filmes não remunerados sem algum tipo de recompensa? Falando em tempo, há uma matemática própria pra isso. Pega-se o tempo de um trabalho e multiplica-se por 10. Esse é o tempo que você tem para gastar da sua fama provisória conquistada sob muita picaretagem e cara de pau no set. Depois a verdade, essa inimiga do bom contador de histórias, vem à tona e tudo se desmancha e você volta a ser um forever alone.

3. O que é contar histórias hoje?

Contar história é a mesma coisa desde sempre e sempre será. É o equilíbrio entre técnica, estilo e tempero. É que o contador, como o cozinheiro, teme o insosso. Tem que ser gostoso, mesmo que do desgosto se faça bons pratos e se tire boas letras. Contar uma história é fazer o tipo certo, na situação adequada, na hora que o trânsito deixa. Ou seja, é voltar pra casa sem ganhar tapa na cara. Não vejo a comunicação como venda, mas como compra, seja pela sedução, seja pela persuasão. Com ela você compra atenção, intimidade, desejo e até amor eterno. Acredito que contar uma história pode ser tudo, até chata. Mas trabalho para que ela seja provocativa e assanhada, que vá da cosquinha ao tesão. O importante é tocar o outro, seja com um poema ou com um soco. Meu estilo é uma mistura de costureiro de letras com artesão de frases; meu formão e minha agulha é a ponta do dedo e da língua. E filmar é a mesma coisa que escrever. Tem frase, tem ritmo, tem o tempo pras coisas acontecerem, se mostrarem e se esconderem de novo. Tem até erro de pontuação, de coerência ou coesão. Filmo como quem escreve, com começo, meio e fim, necessariamente desordenando tudo isso, ou não. Construir imagens é como um bom aforismo: o máximo no mínimo de espaço.

4. Tuas áreas de atuação são bastante diversas, mas aqui a gente não dá chance para esse oba-oba interpretativo. Então, se tu tiveste de decidir agora, como tu gostarias que as pessoas vissem o Renato Cabral cineasta? Ou então, pelo contrário, como tu não gostarias de ser visto de modo algum?

Eu gostaria de ser reconhecido como um cara que um dia contou umas histórias por aí, principalmente as dele e as que ele quis contar. Há no mundo muitos santos sem nomes, muitos gênios sem obras. Eu quero contar histórias não para ficar na memória do tempo, mas para que meu tempo por aqui não seja passageiro e persista enquanto eu ainda estiver por aqui.


5. Há rumores de que teus filmes sejam, na verdade, produções intelectuais da Porta dos Fundos com um viés de distopia surrealista. É verdade? O que tens a dizer sobre isso?

Qualquer comparação com o Portas dos Fundos é um elogio e uma humilhação pra mim. Tudo ao mesmo tempo.

6. Fame, fortune or beautiful lovers — se tu tiveste de eliminar dois, sob a pressão de uma arma na cabeça, quais seriam? Por quê?

Fortune and beautiful lovers. A fama é sempre o melhor imã para você conquistar tudo de novo: da dignidade às belas companhias das madrugadas solitárias.

7. Associação de palavras em jogo rápido. Vou dizer algumas palavras e tu me dizes o que vem à tua cabeça.

7.1. Universidade: – caí fora o mais rápido possível.
7.2. Circuitos de cinema: – prefiro a farra na web.
7.3. Cinema nacional: – eu me apaixonei quando vi Deus e o Diabo.
7.4. Porta dos Fundos: – morro de inveja.
7.5. Critica especializada: – morro de raiva.
7.6. Globo Filmes: – torço pra ser grande como a Globo Novelas.
7.7. Pânico na TV: se eu tivesse 14 anos…
7.8. Teste de Fidelidade: – João Kleber faz falta.
7.9. Filmes blockbuster: ótimos para aprender a fazer filmes que prestam, não imitando.
7.10. Cinema intelectual: ótimos para aprender a fazer filmes que prestam, não imitando.
7.11. Influências: um monte de autor anônimo do VIMEO e a literatura, mais que o cinema.
7.12. Sasha Grey: -acompanhada da Stoya, faz favor.

8. Durante todo o processo de criação de um filme, da primeira à última etapa, qual a tua preocupação mais obsessiva? Qual tu dirias que é aquela ideia-guia teimosa e recalcitrante que está no fundo de toda decisão tomada?

O roteiro é sem dúvida o pior dos tormentos e o item mais difícil de se achar o tom. Para tudo exige técnica, da direção à montagem, da maquiagem à fotografia… Mas para um roteiro é preciso também inspiração, repertório, sorte e uma ou outra desgraça na vida.

Mad Dog

9. Quantas pessoas já choraram assistindo Roots and Feathers? (Note que, se responderes menos de 1000, nós consideraremos isso uma mentira deslavada).

Toda vez que revejo esse breve pequeno acerto eu me pergunto: pelo menos uma vez você acertou. Então deve ter algum valor o filme.

10. No fundo, nós estamos carecas de saber que todo artista é uma fraude. Então, qual o migué ou o grande truque/segredo que tu usas e do qual o público deveria saber?

Meu melhor marketing é realmente mostrar ao público que um desperdiçado como eu, homem comum, morador do Santa Mônica, um farsante inveterado ainda sim vai lá e faz e defende suas bobagens. Esse é o ato heroico por excelência e o que mais conquista as meninas e os corações. É bom atrair mulheres e respeito como um homem, não como uma lenda ou um global.

11. Qual o truque, atalho, conselho ou verdade tardia tu ensinarias a ti mesmo, caso pudesses te reencontrar no começo de tudo, no marco zero da tua própria carreira, e te dar um único conselho?

Se eu pudesse voltar no tempo e viver minha vida novamente eu apenas diria o óbvio: “meu filho, não adianta pelejar, voltar no tempo mimimi blablabla… viver de novo não vai fazer você acertar, vencer e muito menos ser feliz. Então foda-se. Vá à merda… mas vá. E não pare. O importante é ir. Sempre”.

12. Qual cineasta merece o maior beijo na boca? E qual merece um soco na cara?

Só vi um Godard e detestei todos. O Clint Eastwood me faz virar mulherzinha e isso é bom.

13. Participaste de provas de superação física, conquistaste prêmios em festivais, alçaste voos internacionais e conseguiste produzir e reproduzir um longa-metragem independente, no amor, em salas de cinema nacionais. Na boa, o que ainda te dá medo?

Sempre ando com remédios pra ereção no bolso da calça. Logo, não tenho mais medo de nada. Isso é verdade. Mas pensar na morte me deixa triste. Não pelo medo. Mas porque depois dos 30, aprendi a gostar de viver. E deixar de viver é o pior.

Mad Dog

14. E, muito numa boa, depois de participar de dois Iron Men, como – por Deus! – voltaste a ser um gordo sedentário e preguiçoso?

Hoje as dietas Herba Lifes estão acabando com minhas reservas financeiras. E sem sucesso. Mas há algo que devo reconhecer. O excesso de adiposidade me ensinou valores sólidos: como prazer, aceitação, a cerveja, sexo mais gostoso, o valor da madrugada, ócio não necessariamente criativo, e gastar mais calorias mentais. Antes os extremos esportivos eram feitos apenas como fugas. Eu fugia de mim. Hoje eu vi que fugir de mim pode dar boas histórias. Então, hoje fujo criando outras coisas, não necessariamente sob a pena de terríveis tendinites.

15. Soubemos que a tua história de vida atraiu a atenção da Universal, que agora pretende lançar um filme em que o Will Smith tentará trabalhar como artista independente no Brasil. Como é trabalhar “no amor” para desenvolver projetos complexos com equipes de tamanho considerável? O que te faz continuar?

Não acredito no amor nesta área. Nada do que fiz foi por amor ou gratuito. Todas as intenções estavam presentes. Graças ao esforço de fazer sozinho os projetos independentes, pude largar a redação publicitária ( o maior alívio da minha vida). E posso hoje me dedicar à direção de filmes, que sejam os publicitários, e assim ganhar o dinheiro que me sustenta. É bom poder bancar as próprias bobagens. É aquela sensação gostosa de um dia você deixar de pedir dinheiro pra mãe e poder pagar a conta num primeiro encontro.

16. Última: depois dessa entrevista, é obviamente uma compulsão que venhas a Pelotas. Qual o primeiro boteco que pretendes visitar? Lembro que essa é uma pergunta importantíssima para determinarmos toda tua reputação social e intelectual.

Eu gostaria muito de tomar uma com você e o Juliano Guerra. Que vocês fossem boa gente e me fizessem uma surpresa. Se isso fosse num puteiro legal, limpinho e que passe cartão eu ficaria muito feliz.