Imagine um quitandeiro espremendo um limão. Ele vende o suco para duas pessoas. Uma diz: “Realmente, é limão, mas é estranho, pois tem cor de laranja.” A outra diz: “Essa acidez parece de abacaxi e tem gosto de tamarindo.” Assim é o diálogo contemporâneo. A opinião está se sobressaindo ao fato. Uma vez dentro do universo digital, junta-se a bilhões de usuários que criam e absorvem conteúdo de forma contínua, deslizando em timelines sem fim.
Dessa forma, no diálogo social, cada um puxa a brasa para o seu assado. As pessoas consomem informações e as descrevem de acordo com o que lhes é mais conveniente. Comem sardinha e arrotam caviar. Esse é um conceito conhecido como narrativa ou pós-verdade. Funciona como um dispositivo retórico em que, diante de um fato, não se busque mais a verdade absoluta, apenas há versões em competição.
Em nosso planeta, existem espécies com dietas restritas: herbívoros, carnívoros, frutíferos, entre outros. O ser humano tem uma alimentação diversificada, mas está se destacando como “informívoro”, uma vez que precisa de acesso à informação para sobreviver e fornecer energia ao corpo. Algumas horas sem bateria ou com o celular quebrado são o suficiente para dar início a uma espécie de inanição.
Esse comportamento pode soar um tanto exagerado, então assim que você terminar de ler essa crônica, repare se as pessoas à sua volta também estão mexendo no smartphone. Nos tornamos um Pac-Man de conteúdo. A questão é que as sociedades digitalizadas vêm tratando temas complexos como política, por exemplo, baseando-se somente em convicções. Cada qual se alimenta apenas da versão que serve ao paladar, as outras estarão sempre mal temperadas. Aliás, pimenta na narrativa dos outros é refresco.
246lucian@bol.com.br
Jornalista.
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