Um chimarrão cercado de histórias – entrevista com Daniel Finkler


Daniel Finkler
Daniel Finkler - Divulgação

Escritor gaúcho, Daniel Finkler comenta sobre as crônicas que integram o livro “Sob o mate derramado”, lançamento da editora Viseu.

Preparar um mate não é algo prático. Exige uma certa paciência em ferver a água, dispor o monte na cuia e esperar a erva inchar. Às vezes, também se faz necessário misturar com água gelada para não queimar a erva. Somente depois desses passos será possível apreciar um saboroso chimarrão.

“É aí que mora o segredo do mate. Nessas etapas de preparação, precisamos ter paciência e isso nos chama para a contemplação”, comenta o escritor Daniel Finkler. Dessa experiência cotidiana, o livro “Sob o mate derramado: Crônicas de um chimarrão urbano”, convida o leitor para desacelerar e embarcar em 21 histórias surpreendentes através da força das palavras.

Daniel Finkler

Daniel Finkler

Natural de Carazinho/RS, Finkler possui forte vínculo com Pelotas, cidade na qual residiu por cerca de 15 anos. Nesse período, inclusive, foi baixista da banda de groove latino Pimenta Buena. Ainda na música, integrou o grupo Nelson e os besouros, criado em 2011 para apresentar canções dos Beatles em arranjos próprios. Com esse projeto, tocaram em diversas cidades do país e até mesmo no lendário The Cavern Club, em Liverpool. Atualmente, Finkler reside em Porto Alegre e atua como publicitário. 

Foto: Daniel Finkler autografando na Feira do Livro de Pelotas – Divulgação

A carreira de escritor nasce de uma afinidade de longa data com a literatura. Foram muitas leituras incentivadas pela mãe até pegar o gosto e começar a escrever suas próprias narrativas em cadernos. Quando encarou o desafio de lançar um novo produto no mercado, a Erva Mate do Rock, voltada a conversar com o público jovem das cidades, passou a colecionar histórias que envolviam pessoas e o chimarrão.

A reunião desses textos incentivou o lançamento do primeiro livro. A seguir, Finkler comenta sobre a aposta na trajetória literária, a presença do mate, suas influências artísticas e as crônicas preferidas. 

Daniel, tens uma trajetória na música, com passagens por algumas bandas, e também és publicitário, cargo pelo qual desenvolves várias campanhas criativas. O que te levou a buscar a carreira de escritor e lançar o primeiro livro?

Eu sempre gostei de ler – e também de escrever. Tinha aqueles cadernos para anotar pensamentos, planos e, às vezes, saía alguma narrativa. Também costumava escrever meus sonhos, logo após acordar. Quando comecei a ler “Dom Quixote”, no final de 2014, essas descrições dos sonhos tornaram-se narrações, e comecei a incluir mais cenas e personagens. Decidi começar a escrever melhor e tracei um desafio para mim: 100 textos em 100 dias. Cumpri o desafio e fui desenvolvendo mais exercícios com a escrita. A ideia do livro surgiu durante o processo de construção da marca Erva Mate do Rock, em um contexto em que o profissional de publicidade busca compreender como o produto, no caso o chimarrão, localiza-se na cultura a qual ele está inserido.

Como surgiu a ideia para essa coletânea de crônicas em que várias delas envolvem o chimarrão? Qual é o papel dele nessas histórias?

Minha ideia inicial foi desenvolver um romance com esse título. Havia, inclusive, personagens e alguns capítulos. Porém, eu havia escrito cerca de 100 histórias sobre o chimarrão, muitas delas com uma pegada mais publicitária mesmo. O romance começou a ficar difícil de ser resolvido e optei por mudar o rumo. Selecionei 35 desses textos e comecei a trabalhar neles. Restaram apenas dez. As demais crônicas acabei escrevendo de acordo com outras experiências.

Quais são as influências artísticas na concepção do livro “Sob o mate derramado”? O que te ajudou na criação destas personagens e situações?

Como músico, costumo escutar milhares de vezes a mesma canção. É algo inerente a essa arte, sendo necessário captar os detalhes para conseguir executar e compreender as músicas que se deseja tocar. Levei essa prática para a literatura. Costumo ler mais de uma vez os mesmos livros. “Dom Quixote” me influenciou muito, principalmente na vontade de escrever. Além disso, eu sempre gostei de crônicas, pois acredito que cumpram um papel fundamental na prática de leitura. Muitas pessoas têm dificuldade em ler os clássicos e precisam começar com textos rápidos. Li várias vezes as crônicas do Nelson Rodrigues e do Luiz Fernando Veríssimo. Sempre quis fazer algo nesse sentido. As cenas e personagens que estão no meu livro são o resultado da minha carga de leitura, filmes que assisti repetidas vezes, sonhos diversos, imaginações constantes com cenários improváveis e relatos que escuto por aí. Tenho um apreço especial por ouvir contos com muitos detalhes, e realmente fico caçando histórias entre meus amigos, clientes, colegas de trabalho e pessoas que caminham pelas ruas.

Entre os 21 textos que integram a obra, quais os teus favoritos? 

Destaco a crônica “A maldição dos conselhos”, que aborda um momento que eu já presenciei algumas vezes: a situação em que a mulher quer ter um filho e o homem por algum motivo diz que não quer. É quase uma negação do destino. É como trabalhar para construir uma casa e, na hora de ir habitá-la, não ir. As desculpas que muitos homens costumam dar neste momento são apenas defesas contra o amadurecimento que chega e cobra alguns passos. Além disso, coloquei o chimarrão como âncora, pois o personagem derruba a bebida de propósito – e repetidas vezes – para causar um problema ao invés de resolver o conflito. Já o texto “A primeira vez” é o que eu mais gosto, pois ainda choro quando leio. Trata de um amor que deu certo, e deu frutos. É a carta de um pai para o filho, que deve ser lida dez anos depois. Esse texto fala sobre como as coisas mudam sem que a gente consiga evitar.

Além de uma crônica homônima, por que a escolha do título “Sob o mate derramado”?

Acho que decidi escrever o livro quando pensei nesse título. Tenho uma frase que repito com frequência: erva não é sujeira. Mas, claro, há exceções. Um dia derrubei, sem perceber, uma cuia cheia bem ao lado da mesa de trabalho. Era apenas o primeiro mate, e quem toma mate sabe que quando ele está bom, dá  uma vontade de ficar com aquele gosto por horas. Só que acabei derrubando a cuia, a mesinha toda suja e eu com aquela vontade típica da manhã. Falei alguma coisa para o ar e disse essa frase. Pensei alto: “Bom título para um livro.” E tentei escrever um conto a partir disso.

O que esperas com o lançamento do livro, tanto para os leitores quanto para ti enquanto escritor?

Trabalho com as palavras na publicidade e quero expandir esse aspecto profissional para a literatura. Compreendo o momento de desatenção e falta de foco que estamos vivendo. A leitura não é algo popular hoje em dia, pelo menos a leitura de livros, pois lemos muito, mas lemos em redes sociais. O livro exige uma poltrona, silêncio, solidão, momentos de descanso e um mate. Reconheço, não é uma unanimidade. Os desafios para essa carreira, acredito, estão ligados a uma mudança de dinâmica: encontrar o nicho certo e trabalhar para oferecer algo pertinente na vida dos leitores. Espero, de verdade, que possam encontrar algo de pertinente nos meus textos.

Como ler Sob o mate derramado”

O livro “Sob o mate derramado” pode ser adquirido em cópia física por R$ 45,90 no site da editora Viseu e pelo valor promocional de R$ 39,90 na banca da livraria Vanguarda durante a 49ª Feira do Livro de Pelotas. Também em e-book por R$ 9,90 através da Amazon.

Leia também: Daniel Finkler lança livro de crônicas “Sob o mate derramado”

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