Nossa equipe de musicólogos de plantão acompanhou os shows do Grito Rock com olhos ouvidos atentos. Escolhemos as bandas que mais se destacaram para cada um de nós (não sem alguma concorrência) e expressamos nossas impressões, opiniões e divagações nas resenhas que se seguem.
ROBERTO SOARES NEVES
PETIT MORT
Programado para a praça Coronel Pedro Osório, o show do trio argentino foi levado pela chuva para o Wong Bar. Se por um lado pode ter perdido público na mudança em cima da hora, por outro ganhou o clima de show underground proporcionado pelo bar. No som, bateria (Sebastian Olarte) sendo espancada sem piedade, guitarra e baixo nas alturas soltando riffs inspirados no rock alternativo noventista e boas melodias nos vocais. No visual, além do referido espancamento, a dupla de vocalistas Michelle Méndez (guitarra), cabelo entre branco e rosa artificial, e Juan Manuel Recio (baixo), cabelo longo esculhambado na frente da cara, pulava e dançava freneticamente.
A intenção claramente era fazer valer o nome da banda (derivado da expressão francesa que mais ou menos significa “orgasmo”) para a plateia desconhecida, através dessa estimulação sensorial dupla. Recio chegou a pedir o acompanhamento do público: “quem quiser dançar, quem quiser pular, é possível”. Mas, seja pelo espanto causado pelo show, seja por letargia dos presentes, foi preciso muitos minutos pra nascer a primeira roda punk. Por dentro, no entanto, estavam todos pogando, rumo à pequena morte.
SATURNO DE JOSÉ
Pelo nome, as barbas, o violão, a flauta, enfim, parecia que o show do quinteto de Esteio traria um tradicional folk rock indie com vocal desanimado. E nas primeiras músicas, a expectativa parecia que ia se cumprir. Mas conforme o show foi se desenrolando, o volume foi subindo e a Saturno de José foi mostrando suas inúmeras faces, que vão da música brasileira até o rock mais “clássico”.
A versatilidade dos músicos, que se revezaram entre violão, baixo, teclado, bateria e percussão, e boas sacadas nas letras (“a fonte da juventude é o frio na barriga”) ajudaram a cativar o público. Por vezes se sentiu uma vibe circense, explicitada na música “Ladrões de Alegria” e seu “reeeespeitável públicooooo”. O ápice do show veio com “Felicidade”, que começa calminha e, do nada, vira marchinha. “Então deixa a felicidade vir”, cantava (se bem me lembro) a banda toda ao mesmo tempo. Tá bom, então.
THE SORRY SHOP
É espantoso que uma banda tão inesperada se esconda ali passando os porvoltade 60 quilômetros entre Pelotas e a vizinha Rio Grande. Idealizada pelo baixista Régis Garcia, a Sorry Shop tem seis integrantes, com duas guitarras (Kelvin Tomaz e Rafa Rechia), bateria (Eduardo Custodio) e dois vocalistas (Marcos Alaniz, que ainda contribui com o iPad, e Mônica Reguffe, com a meia lua). Todo esse aparato humano e sonoro tem um propósito. A referência principal é o shoegaze, e a barulheira e a melancolia que vêm com ele.
O último show do festival foi dentro da Casa Fora do Eixo, por causa da chuva. A troca, afinal, favoreceu a experiência de quem entrou pra ver. No ambiente já praticamente lotado pelos integrantes e a plateia, o espaço que sobrou foi ocupado pela massa sonora da banda. Os vocais, já baixos de fábrica, se tornaram praticamente inaudíveis, enquanto a distorção e o delay das guitarras como que oprimiram os presentes a entrar no clima. Transcendência em sussuros pra terminar o Grito Rock.
JOSÉ ANTONIO MAGALHÃES
TOPSYTURVY
Quando escutei a Topsyturvy na internet, o peso alternado com partes melódicas, as guinadas repentinas, o tom irônico e insano dos vocais e da música como um todo, me lembraram System of a Down. Mas quando começaram a tocar, no hoje simbólico largo do fechado Sete de Abril, logo vi que as influências iam bem além. Logo na primeira música, escutei Mars Volta/At the Drive-in, referência corroborada pela postura frenética-empertigada – pensa Omar Rodriguez-López – do vocal e guitarrista Alexandre Lima.
Ao avançar do show, foi se tornando mais evidente a originalidade da banda – a combinação de um som moderno e pesado com uma liberdade formal buscada no jazz e no rock dos anos setenta, os ritmos quebrados. Quem muito roubava a cena era o baterista Gustavo “Gummer” Rodrigues, tanto pela técnica absurda quanto pelos pulos que dava, levantando-se da bateria, quando as pausas davam tempo. A banda passeia por ritmos, como o reggae em “Wake Me Up” e o samba em “Sambo,” não raro se mostrando brasileira a despeito das letras em inglês. A improvisação, para a qual as canções dão muito espaço, se expande ao vivo, e a dosagem dessa liberdade com a clara não-chatice das canções é feita com uma maestria raramente vista.
CONVÉS IMAGINÁRIO
O Convés Imaginário abriu a tarde de shows no Parque Dom Antônio Záttera, representando um certo espírito da época que envolve um rock em registro baixado, que mistura a influência gringa do indie com a vontade de ser brasileiro e o intimismo herdados do Los Hermanos. Eu diria que os vocais ébrios do Duda “Duba” Ribeiro imitam demais os do Rodrigo Amarante, se eu não soubesse que esse é realmente o jeitão do Duba quando está fora do palco. Além do mais, “Só Hoje eu Vi” é uma das melhores canções amarantianas que eu lembro de escutar ultimamente.
A banda tocou uma série de sons, segundo Duba, nunca antes tocados “nessa conjuntura do universo”. Nas canções novas, pelo que me lembro, se via mais do que antes a influência clara do folk, que parece vir mediatamente do Bob Dylan e imediatamente do Vanguart – banda que faz parte das raízes do Fora do Eixo. A Convés Imaginário é hoje uma das bandas que melhor representa, em Pelotas, tanto essa vertente do folk quanto a dos filhos dos Hermanos.
ZUDIZILLA
Quando voltei à praça na noite de sábado, o público ao redor do palco tinha mudado de cara. Muitos bonés, muitas camisetas tamanho XXL e um contingente negro que não se viu nos outros dias do Grito. Quando Zudizilla subiu no palco, deu para entender por que “representar” é um verbo tão importante no mundo do rap. Esse pessoal não estava ali só para olhar o show. Era evidente que a voz no microfone não era só do artista e sim que falava por muitos.
Auto-descrito como “pesado e sujo,” o som chegou com uma força de tirar o fôlego, e mesmo quando não se entendia uma parte da letra dava para sentir a potência na intenção das palavras. Participações como a de Johnguen, da Aedyz Crew, cuja voz de possuído não passa despercebida, deram dinamismo à cerimônia. A energia do show parecia estar se aproximando de um ápice, ao redor do quinto ou sexto rap, quando um estalo elétrico deixou tudo escuro. Por vários minutos o pessoal esperou, não querendo acreditar no coitus interruptus, mas o problema técnico não pôde ser contornado e um dos shows mais promissores do festival teve que ficar na metade. A plateia, na vontade.
LEON SANGUINÉ
SUBURBAN STEREOTYPE
Sou um grande fã de Hardcore, embora não pareça. Sou porque poucas coisas na música me soam tão sensacionais quanto misturar peso e pop, tanto nas guitarras quanto na música em si. At the Drive-In é uma das minhas bandas prediletas na vida por esse e outro motivo que me faz ter simpatia pelo gênero: As boas melodias normalmente são acompanhadas de letras pertinentes.
A Suburban Stereotype, nova do gênero na cidade que tem como principal representante a Freak Brotherz, começou um pouco tímida, mas as guitarras carregadas e a presença de palco do vocalista Diego Gularte logo trataram de trazer força ao ambiente. Juntamente com a Hardcore Pride, a Suburban mostrou que trará grande fôlego ao gênero mais legal e engajado de Pelotas.
DR. HANK
Há mais ou menos um ano eu fui visitar amigos em Porto Alegre. Em um dos dias por lá, fui convidado a prestigiar uma banda de “surf music”, um estilo muito confuso pra minha cabeça meio lerda. Nunca sei se assistir a um show desse estilo de música significa ouvir Beach Boys ou Jack Johnson. Enfim, a banda não era muito boa e fiquei desde então com certo pé atrás em relação às bandas de “surf music”. Até porque sempre tive inveja do sucesso que os surfistas fazem com as mulheres. Surfistas músicos então…
Quando o André, gestor de música da Casa FdE Pelotas e meu amigo, me contou que uma banda portoalegrense do gênero se apresentaria no grito, confesso que me assustei, pelos motivos que vocês já leram ali em cima. O fato é que eu sou um bobão e fui surpreendido pela excelência instrumental da Dr. Hank, a melhor na minha opinião no quesito, dentre todas as apresentações de fora do festival. Como se não fosse o bastante, o grupo trouxe ao público letras interessantes e um discurso preciso sobre ocupar os espaços da cidade.
Não era Beach Boys e nem Jack Johnson. Era Sublime, vertente que eu havia esquecido de contar como surf music.
Fotos: Mídia colaborativa Fora do Eixo Pelotas
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.