Na quinta-feira, 08, Pelotas ingressou na lista das cidades privilegiadas com o show “Ira! Folk”, que faz uma reinvenção acústica do repertório da banda fundada nos anos 80.
O projeto tem “edição limitada” e não deve virar DVD, o que configura a atual turnê como oportunidade única para os interessados. O repertório da noite replicou os shows anteriores, exceto pelas variações no bis e, sobretudo, na performance quente do trio Edgard-Nasi-Daniel. Os esperados hinos como “Envelheço Na Cidade” e “Núcleo Base” convivem com sucessos mais recentes como “O Girassol”, e faixas subestimadas dos discos.
Impressiona a evolução dos arranjos desde o arranque do projeto, em Curitiba, em maio deste ano. A proposta é bem mais minimalista do que o Acústico MTV, de 2004, que trazia para o palco uma verdadeira orquestra de músicos. Aqui tudo se resume a dois instrumentos de cordas e harmonizações vocais – ou quase. A opção folk não levou Edgard a abrir mão de alguns pedais, e o peso roqueiro irrompe pelos amplificadores Marshall em vários momentos. Assim é o solo blueseiro ao final de “Tolices”, uma daquelas confissões da adolescência do guitarrista, que há 30 anos é escolhido o melhor do Brasil pela imprensa especializada, posto que manteve em recente enquete da Rolling Stone nacional.
De colete e camisa social, Nasi remete à elegância de Al Pacino e Leonard Cohen, e é todo animação com a resposta da platéia. Conversa entre as músicas, responde a palavras de ordem (nem sempre audíveis do palco), e em gratidão, deixa o público ser o cantor principal diversas vezes, como na metade final de “Eu Quero Sempre Mais”.
E assim o Ira! desfila, por mais de hora e meia, suas canções mais ou menos da forma que eram quando foram compostas, porém enriquecidas com improvisos que jamais se repetem de uma apresentação para outra. É o caso de “Dias De Luta”, que desde os dedilhados do solo inicial, vem tão flamenca que só faltou Nasi tocar castanholas – mas com uma meia-lua ele mandou bem no recado.
Além de vida nova nos arranjos, algumas músicas ganham também a chance de sair do lado B da discografia da banda. Entre elas, “Mariana Foi Pro Mar”, simpática estorinha de protagonismo feminino, que em 2007, com a implosão do Ira!, teve seu potencial de sucesso abafado às vésperas de ganhar as rádios como segundo single do álbum Invisível DJ. Outros resgates são “Perigo”, de 1993, um rockão que virou uma neo-bossa; “Receita Para Se Fazer Um Herói”, que agora soa claramente como o reggae que sempre foi (o único do Ira!), e a brisa psicodélica de “Manhãs de Domingo”. As duas últimas foram pinçadas de Psicoacústica, uma ousadia com toque experimental que a banda lançou em forma de vinil em 1988, e que foi precursora de muito do que viria a ser feito no rock brasileiro. Do mesmo disco, em outro ponto alto da noite, a iluminação se torna cor-de-sangue para anunciar o “Rubro Zorro”, formidável “faroeste sobre o terceiro mundo” que trata de João Acácio Costa, o “bandido da luz vermelha” brasileiro.
A interação se manteve em altos níveis adrenais até o bis. Seja cantando, batendo palmas ou estalando os dedos ao comando de Edgard, o público em Pelotas fez por merecer a exclamação de Nasi de que “todos nós somos o Ira!”, além do convite do cantor para “um abraço e um autógrafo” no camarim pós-show.
Setlist
01 Um Dia Como Hoje
02 Dias de Luta
03 Flerte Fatal
04 Quinze Anos
05 Perigo
06 Receita Para Se Fazer Um Herói
07 Manhãs de Domingo
08 Girassol
09 Eu Quero Sempre Mais
10 Culto de Amor
11 Tarde Vazia
12 Mariana Foi Pro Mar
13 Tolices
14 Flores Em Você
15 Boneca de Cêra
16 Rubro Zorro
17 Mudança De Comportamento
18 Envelheço Na Cidade
Bis
19 Prisão Das Ruas
20 Bebendo Vinho
21 Vida Passageira
22 Núcleo Base
Jornalista. Interesses: música, quadrinhos, cinema, filosofia, tecnologia e seus respectivos subprodutos
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