À janela, ele fuma todos os dias. É o corpo da frente, em cima daquele braço que também aparece, vez ou outra. É tranqüilizante vê-lo fumar. Fuma vagarosamente e olha sobre os engaiolados; fuma e respira a mistura inebriante de fumaça, sol e poeira. Fuma. Nunca o vi se comunicar com o braço de cima, embora pareça haver um acordo tácito entre os dois, já que surgem freqüentemente nos mesmos horários. O que fuma lembra-me Borges terrivelmente, com aquele olhar que perscruta. Nunca dialoga com o braço de cima, nem com as gêmeas de baixo. Mas essas não fumam. Vejo-o à noite também. Deve gostar de contemplar as estrelas, tão solitárias quanto ele, tão próximas uma das outras quanto ele do braço e das gêmeas. E ainda assim tão distantes. O ponto luminoso sobe e desce, como único motivo pelo qual ele integra-se à noite.
Ao apagar-se, é engolido pela boca negra.
Nunca mais o vi.
Isis Araújo
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.