Ator talentoso e premiado, Álvaro RosaCosta desenvolveu outro dom sobre os palcos: ambientar sonoramente espetáculos teatrais. Na verdade, dezenas de montagens que lhe renderam, como compositor, vários troféus Açorianos e Tibuera de melhor trilha sonora – Inimigos na Casa de Bonecas (2018), Chapeuzinho Vermelho (2017), Nina, o Monstro e o Coração Perdido (2014), A Cãofusão, uma história legal para cachorro (2011), Pandolfo no Reino da Bestolândia (2005) e Travessias (2004) . Em 2012, Álvaro ganhou o Prêmio Açorianos de Música em três categorias pelo lançamento do álbum Xaxados e Perdidos, de Simone Rasslan: melhor arranjador (juntamente com Beto Chedid e Simone Rasslan), melhor disco de MPB e disco do ano.
Durante a pandemia, o artista, que também é cantor, deu início a um novo projeto – disponibilizar na internet todas essas criações. A próxima coletânea que será lançada nas plataformas digitais no dia 17 de julho é a cena sonora de Amazônia – um olhar sobre a floresta, produção do Coletivo Projeto Gompa com direção de Camila Bauer.
O destaque fica por conta de duas canções interpretadas por Simone Rasslan – Oratório Amazônida – Bira, Maria e Jaguar e Nheengatu. Quem quiser conferir o resultado já pode fazer o pre-save.
Abaixo, você confere uma entrevista exclusiva com Álvaro RosaCosta para o E-Cult.
E-Cult: A Amazônia é um bioma riquíssimo, inclusive cultural e sonoramente. Como foi traduzir musicalmente as características da floresta?
Álvaro RosaCosta: A floresta é viva e produz muitos sons que muitas vezes a nossa memória não reconhece. Tivemos que reaprender a escutá-la. O assovio de um bicho preguiça, o esturro de uma onça, o canto dos pássaros e o ritmo dos tucanos. Foram vários os caminhos de criação e muitos deles a partir dessas sonoridades encontradas.
E-Cult: Duas composições viraram canções com letra e música – Oratório Amazônida – Bira, Maria e Jaguar e Nheengatu. Essa era a ideia original ou surgiram ao longo do processo de criação?
Álvaro RosaCosta: Não existe uma ideia original ou um ponto de partida pré-estabelecido. É só o processo e seus atravessamentos. Neste caso, três grandes fatores foram decisivos para o resultado: a pandemia, um festival de viola caipira e o convite para integrar os 40 anos do projeto Unimúsica da UFRGS. Resolvi fazer o processo inverso do que foi a proposta feita pelo Uni 40 Anos Música da presença e levar as músicas, literalmente, Da Cena À Canção.
E-Cult: A Amazônia enfrenta problemas históricos, como desmatamento e grilagem de terras, que se acentuaram nos últimos anos. Esse trabalho também é um protesto, um ato de resistência contra essas atrocidades?
Álvaro RosaCosta: Essa obra nos dá uma condição de pertencimento. Quase 60% da Amazônia estão em território nacional, envolvendo 8 estados brasileiros e pouco sabemos de sua história e da luta dos povos originários para manter a floresta em pé. Ainda estamos aprendendo, estudando e nos apaixonando pela imensidão da cultura amazônida. O conhecimento nos desafia a cada descoberta. “A floresta é inteligente, ela tem um pensamento” (KOPENAWA; ALBERT, 2016, p. 497), diz o xamã yanomami.
E-Cult: Todas as músicas do espetáculo foram compostas durante períodos críticos da pandemia, entre 2021 e o início de 2022. Nesse cenário, como foi dar vida a um trabalho coletivo que teve a participação de vários músicos?
Álvaro RosaCosta: Existem dois momentos bem distintos nessa criação. Mais de 80% do álbum, Amazônia- Um olhar sobre a floresta, foram refeitos a partir da liberação para ensaios presenciais. Mas, durante a pandemia, já havia começado a compor para um projeto cujo foco era a viola caipira. Então, resolvi me aprofundar no estudo do instrumento e comecei a criar as primeiras melodias que logo ganharam letras para um outro projeto: Uni 40 Anos Música da Presença (2021).
E-Cult: Você possui décadas de experiência na criação de trilhas e cenas sonoras. O que você definiria como essencial para ambientar sonoramente uma peça de teatro ou dança?
Álvaro RosaCosta: A presença. Para mim, ela é o mais importante. O resto se resolve. Conhecer o projeto, as pessoas, participar dos ensaios desde o início e estabelecer uma comunicação eficiente, estas são as condições importantes. Os sinais sempre estão nos ensaios, é só encontrá-los. Às vezes, descartamos algo, no início do processo, que poderá ser retomado e ressignificando lá na frente. A obra é viva, conduz e é afetada pelo som.
E-Cult: Por que, agora, você decidiu compartilhar suas trilhas na internet? Como você acredita que será o retorno do público ao escutar as músicas sem ter o apelo visual do espetáculo?
Álvaro RosaCosta: A pandemia me deu um tempo, que há muito não tinha, para organizar as memórias e sons produzidos ao longo destes anos. Para mim é como documentá-las e fazer chegar a mais pessoas. Até hoje escuto trilha de séries que eu gostava muito, mesmo sem lembrar o contexto em que eram inseridas. Acho que cada um vai construir novas imagens. Eu gostaria de vê-las. Inclusive alguns alunos estão usando algumas destas músicas disponibilizadas no meu perfil do Spotify, para construir suas cenas numa oficina de teatro. Talvez eles nem tenham assistido a cena original.
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Jornalista, assessor de imprensa, apaixonado por cinema, artes e viagens.
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