
O sol da manhã atravessava as janelas, jogando luz no assoalho de madeira. O cheiro do café quente, espalhado pelo Salão Paroquial São José, misturava-se à poeira das imagens dos santos que decoravam o ambiente. Jornalistas ajeitavam cadernos e microfones; alguns captavam imagens com câmeras fotográficas e celulares. A arquiteta Simone Neutzling, ao iniciar a apresentação, encarava a plateia com um olhar entusiasmado – prestes a anunciar as novas etapas do projeto mais longevo de sua carreira.
Simone Neutzling está há dezesseis anos dedicada à restauração da Catedral São Francisco de Paula. Ao longo desse período, foram realizadas restaurações no salão paroquial, terraço frontal, janelas, portas, colunas, cúpulas e telhados; limpeza das fachadas; manutenção dos bancos e, para trazer renovação à nave, a arquiteta trabalhou na remodelação do altar-mor. Claro que, para não deixar dúvidas, caso por aqui apareça um leitor antenado em história ou arquitetura e tenha cogitado um pensamento sobre descaracterização: o trabalho da Simone é coisa fina. E o novo mobiliário do altar seguiu a Instrução Geral do Missal Romano (IGMR) para a liturgia.
Nesta sexta-feira (21.mar), a arquiteta anunciou os três novos projetos que serão executados em 2025.
1
Etapa Final da Cobertura (telhado)
Tempo de execução: 12 meses
Valor: R$ 1.991.213,11
Realização: Perene Patrimônio Cultural
Financiamento: Pró-Cultura, governo no Estado do Rio Grande do Sul
2
Restauração das Fachadas
Tempo de execução: 8 meses
Valor: R$ 600 mil
Realização: IPAHN
Financiamento: Emendas parlamentares dos deputados Daniel Trzeciak (PSDB) e Dionilso Marcon (PT).
3
Qualificação da Reserva Técnica
Tempo de execução: 6 meses
Valor: R$ 185 mil
Realização: Ato Produção Cultural
Financiamento: Lei Rouanet
Durante a apresentação, explicando os detalhes da etapa final da cobertura, Simone Neutzling falou sobre as técnicas e os materiais originais da edificação. Ela lembrou que a primeira obra feita na Catedral foi no próprio Salão São José, onde estávamos, e contou uma curiosidade: “Quando nós retiramos um armário aqui do salão, a gente descobriu essa parede com essas inscrições. Essas inscrições são os desenhos que o mestre de obras fazia durante a construção. Inclusive, temos a assinatura dele ali, com a data e o nome. Então, podemos ver que ele fez vários croquis passando explicações para a equipe. Ali em cima, a gente enxerga letras do alfabeto. E foi muito interessante quando descobrimos que essas letras são a mesma nomenclatura que tem nas tesouras. Porque, provavelmente, eles montavam as tesouras aqui embaixo e depois iam subindo as peças para estruturar o telhado’’, disse a arquiteta, olhando para os desenhos, como se estivesse vendo os antigos mestres erguerem o prédio.
Também é interessante que, de modo geral, quando se fala em patrimônio, as pessoas imaginam uma edificação. No entanto, entre os novos projetos da Catedral, o de qualificação da reserva técnica vai além da estrutura arquitetônica e traz um olhar para o restauro e o armazenamento ideal do acervo da instituição. Nesse acervo, há papéis, pinturas, tecidos, obras de arte, peças em metal e madeira, ou seja, os documentos e os ornamentos que integram a história da Catedral. E, como conhecemos bem a umidade de Pelotas, sabemos o quanto esses objetos são danificados pela intempérie.
Logo, para conter os desgastes do tempo, é preciso tomar precauções. Em torno de ideias como essa, Simone Neutzling criou a Perene Patrimônio Cultural, uma organização multidisciplinar que atua tanto com demandas arquitetônicas, como, muito importante, na conscientização da preservação patrimonial. “Nosso objetivo maior é a preservação do patrimônio. É fundamental também promover o envolvimento e a participação da comunidade, porque nós restauramos com as pessoas e para as pessoas’’, disse a arquiteta.
Essa é uma declaração de quem tem um repertório com mais de 40 projetos em prédios que representam o patrimônio histórico, artístico e cultural do Rio Grande do Sul. Uma profissional que não hesita em dizer: “Restauração é a pior ação que pode acontecer. Quando a gente restaura, é porque a gente não cuidou, a gente não deu manutenção’’. No encerramento da apresentação, Simone apresentou uma iniciativa chamada Escola de Restauração.
A Perene Patrimônio Cultural, durante os seus projetos de restauro, tem como estratégia de preservação estimular na comunidade local um valor de pertencimento. Para reforçar esse objetivo, a Escola de Restauração vai proporcionar uma experiência imersiva e prática, voltada para estudantes e profissionais que desejam atuar com patrimônio edificado. Segundo a arquiteta Simone Neutzling: “É importante que essa capacitação seja extremamente prática e divertida, para que no final desse processo, outros profissionais tenham interesse em atuar corretamente quando os projetos necessitarem de manutenção’’.
Foi então que, ao final da apresentação, Simone Neutzling, olhando para as pessoas, abriu um largo sorriso. Foi possível enxergar contentamento em sua expressão, um gesto de felicidade. Talvez por estar avançando nesse grande projeto de sua carreira, ou, pelo fato de desenvolver sua vocação como alguém que emprestou à arquitetura todo tempo e dedicação, e nunca se preocupou em pedi-los de volta.
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No subsolo da nave, entre paredes que guardam séculos de história, a equipe da Perene Patrimônio Cultural decidiu fazer um aceno para o futuro. Uma cápsula do tempo, repleta de registros e memórias da restauração da Catedral São Francisco de Paula, foi depositada ali. É uma mensagem silenciosa para aqueles que, um dia, terão a missão de preservar esse patrimônio.
Confira fotografias da cerimônia:









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Jornalista.
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