Capital e Interior por Mario Osório Magalhães


Interior e capital… Não sei se o leitor pensou nisso algum dia, mas só entre nós é que essas duas palavras se contrapõem; só no Brasil são antônimas.

Os dicionários definem capital, em um dos seus sentidos (não o econômico), como a cidade que aloja a alta administração de um país ou de um estado, província, departamento etc. Interior, por sua vez, não tem conotação geopolítica, apenas geofísica: significa a região situada costa adentro, em um país litorâneo. Só que no Brasil, embora se empregue adequadamente a expressão capital, são chamadas de cidades do interior todas aquelas que não são capitais, mesmo que isso não conste dos nossos dicionários e que muitas das nossas capitais – inclusive, a federal – estejam situadas muito além da costa.

A origem dessa imprecisão é histórica – e altamente significativa na sua ancestralidade, pois nos remete ao período colonial. Melhor: remete-nos a um período anterior ao colonial, porque anterior ao Descobrimento, quando Portugal e Espanha concertaram os limites do Tratado de Tordesilhas.

Como se sabe, coube a Portugal, então, uma nesga do litoral brasileiro, que só foi ocupada mais de 30 anos depois da descoberta, dividindo-se o território em capitanias hereditárias. Na direção sul, essas terras não incluíam a futura Província de São Pedro (o nosso Rio Grande), estacionando na atual cidade de Laguna. Na direção oeste, não avançavam pela região que, durante a sua conquista, foi sendo chamada de “sertão” brasileiro.

Vai daí que, durante dois séculos – o 16 e o 17 -, só a costa do Atlântico foi colonizada, justificando a expressão de um dos primeiros historiadores brasileiros, Frei Vicente do Salvador (1627): os portugueses viviam arranhando o litoral, “como caranguejos”.

É verdade que os chamados bandeirantes começaram a adentrar o interior, que até então pertencera à Espanha, desde o início do século 17 – autorizados e legitimados pelo advento da União Ibérica. Mas foi só às vésperas do século 18 que se inaugurou o ciclo da mineração, permitindo que proliferassem núcleos urbanos primeiro em Minas Gerais, depois em Goiás e Mato Grosso.

Nessa ocasião já estava consagrada a dicotomia: de um lado, o litoral, civilizado; de outro, o sertão, zona pouco povoada do interior do país. No litoral, as capitais da Colônia (Bahia e Rio de Janeiro) e as capitais das capitanias (que, apesar da instituição do governo-geral, em 1549, ainda mantinham esse nome primitivo). No interior, as capitais das novas capitanias, naturalmente, mas, de forma predominante, o meio agreste, o Brasil arcaico, distante das povoações e das terras cultivadas.

Uma das justificativas para construir Brasília, no século 20, foi aproximar o sertão do litoral.

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O Rio Grande do Sul, embora integrado ao domínio português apenas no século 18, foi igualmente ocupado pelo litoral: como se sabe, a primeira povoação – e a primeira capital – localizou-se na (hoje) cidade de Rio Grande. Em 1763, Rio Grande foi invadida pelos espanhóis, passando a existir um duplo governo na chamada Comandância do Rio Grande de São Pedro: um espanhol, em Rio Grande, e um português, em Viamão. Em 1773, o governo português transferiu-se para o Porto dos Casais, origem de Porto Alegre, e de lá nunca mais saiu: reconquistada a Vila de Rio Grande em 1776, cogitou-se de fazer retornar a ela a capital, mas o governador José Marcelino de Figueiredo desautorizou de pleno a substituição: Porto Alegre, afastada do litoral, estava mais protegida de um possível ataque marítimo…

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Há o seguinte paradoxo, enfim, mas apenas aparente: Brasília e Porto Alegre, cidades do interior, só por isso é que são capitais.

Texto: Mario Osório Magalhães

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