O skatista começou a correr e deu três passadas antes de jogar o skate no chão, no mesmo ato, subiu em cima da prancha e avançou em velocidade na direção da rampa. Ao chegar no obstáculo, com um dos pés, ele pressionou a ponta da prancha, com o outro pé, chutou para frente, forçando o impulso que lançou seu corpo para o ar. Durante dois segundos de voo, o skatista experimentou uma sensação de liberdade. Em seguida, as rodinhas aterrissaram na rampa oposta, com um sorriso no rosto, ele seguiu andando no piso de concreto.
Essa cena eu presenciei na nova pista de skate do bairro Fragata, que foi inaugurada na tarde do dia 28 de dezembro. Além da pista de skate, o trecho revitalizado da Avenida Duque de Caxias recebeu um anfiteatro, uma quadra de areia poliesportiva, paisagismo e iluminação em LED. Na cerimônia de entrega, estiveram presentes no local a prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas (PSDB), e o vereador Carlos Júnior (PSD), que viabilizou os recursos para a obra.
A nova pista vai beneficiar os skatistas do maior bairro de Pelotas, conhecido por muito tempo como Bairro Cidade. Os moradores costumavam dizer que a região oferecia todos os serviços necessários: comércios diversos, bancos, cinema, festas, estádio de futebol e, inclusive, um shopping. Esse shopping não é do porte de um Iguatemi, por exemplo. Alguns frequentadores mais modestos preferem chamá-lo de centro comercial. No entanto, no popular “Shopping do Fragata’’, há mais de vinte anos, a cultura do skate chegou ao bairro.
Na manhã do mesmo sábado, horas antes da entrega da nova pista do Fragata (ainda sem nome), estive na loja JL Casarin. Sentado em uma ampla mesa de trabalho, que fica no mezanino com vista para a entrada da loja, conversei com o empresário João Luis Casarin. O João é um comerciante que entrou para o ramo não apenas com uma vocação para o empreendedorismo, mas também influenciado por sua paixão pelo esporte. O empresário abriu a JL Casarin por volta do ano de mil novecentos e oitenta e cinco, na rua Andrade Neves quase esquina Senador Mendonça. No início, começou oferecendo apenas peças de kart, esporte que ele praticava junto a Associação Pelotense de Automobilismo.
Mas logo em seguida que o João abriu a loja, um amigo e também comerciante do município do Chuí, lhe presenteou com seis skates para agregar aos seus produtos. Na década de oitenta, Pelotas já contava com um pista pública de skate, que ficou conhecida como “Panelão’’, localizada na então praça Júlio de Castilhos, atual Parque Dom Antônio Zattera. Com isso, os skates venderam rápido e ele começou a se interessar pela modalidade. Em uma viagem a Porto Alegre, o empresário esteve em reunião com o representante comercial e também piloto de kart, Neco Fornari, e fechou um negócio para receber na loja material da marca Brutt Skateboarding.
É preciso ter personalidade e disposição para, além de vender equipamentos, fomentar o esporte. Ainda nos anos oitenta, a JL Casarin mudou-se para o endereço onde permanece até hoje. Bloqueando temporariamente a passagem de carros na avenida Bento Gonçalves, João começou a organizar eventos com rampas de madeira, ainda pouco sofisticadas, mas que possibilitavam aos skatistas apresentar suas manobras para o público. Na mesma época, o empresário realizou uma façanha ao promover um evento de skate inédito no Teatro Avenida, patrocinado pela multinacional de refrigerantes Coca-Cola.
Na década de noventa, consolidado como referência regional no comércio de materiais para skate, João organizou a construção de um halfpipe com uma estrutura profissional. Inicialmente, a rampa foi montada no centro de eventos municipal e utilizada como atração em duas edições da Fenadoce. Durante esse período, o empresário apostou na expansão dos negócios e abriu uma filial. Para aprimorar ainda mais o seu comércio, quando a JL Casarin iniciou as atividades no centro comercial do Fragata, o halfpipe foi instalado na frente da loja.
A instalação de um halfpipe em um bairro da cidade foi uma iniciativa surpreendente. Para muitos que se depararam pela primeira vez com aquele gigante de madeira, parecia algo inimaginável. A JL Casarin é a única empresa de Pelotas que já ofereceu para os seus clientes o conjunto de loja especializada com pista de skate. Esse contexto potencializou a realização de campeonatos e forneceu uma experiência inovadora que influenciou inúmeros jovens do Fragata, que começaram a se identificar como skatistas.
Faltando três dias para o fim do ano, a avenida Duque de Caxias estava movimentada com carros, ônibus e caminhões transitando nos dois sentidos. No canteiro central, os skatistas manobravam com tranquilidade, habituados ao barulho do trânsito. Após fazer fotografias de algumas manobras, conversei com o skatista Juliano Coelho, ele me contou que se sente realizado em poder praticar num local que foi tão significativo para sua formação:
- Eu vou fazer quarenta e um anos amanhã. Nos anos noventa, ali na frente do shopping, foi onde eu vi pela primeira vez um evento de skate. Lembro até hoje, foi um campeonato de vert, veio uns caras de Porto Alegre, que depois eu vi que se tornaram profissionais. Eu nem andava ainda, mas dali em diante eu fui picado pelo skate, e começou todo amor que tenho por esse esporte.
A nova pista do Fragata surge como uma oportunidade para a formação de uma nova geração de skatistas, oferecendo um espaço para treinos, convivência e aprendizado. Além de um local para a prática esportiva, a pista carrega consigo o simbolismo de continuidade, reafirmando a tradição do skate no bairro.
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Jornalista.
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