O artista, que faleceu nesse domingo (21/04), teve uma longa carreira e foi um dos principais agentes de popularização da arte no Brasil.
“A arte faz parte da existência da humanidade, é uma coisa humana, e sempre continuará sendo” (Danúbio Gonçalves)
Há 94 anos Bagé via nascer um de seus principais expoentes. Aliás, não apenas a rainha da fronteira, como é conhecida a cidade, mas também o Brasil e o mundo. Uma arte que atravessou continentes, bebendo do engajamento político dos muralistas mexicanos, e deixando sua marca inclusive em terras francesas.
Falar de Danúbio Gonçalves é levar-se em conta os mais de oitenta anos de inspiração e atividade que, para nosso contentamento, se eternizarão no tempo. Os murais que revelam cenas da história rio grandense, como a missão jesuítica e a Revolução Farroupilha, ao lado do Mercado Público de Porto Alegre, assim como aquele que homenageia a chegada dos judeus na cidade, na rótula da Avenida Carlos Gomes, continuarão a colorir de azul e branco aqueles azulejos que, igualmente ao artista, fazem parte de uma história de luta e dedicação à cultura do estado. Uma declaração de amor a todos os gaúchos.
Fazendo as malas
Ainda criança, quando tinha apenas dez anos de idade, Danúbio Villamil Gonçalves, nascido em 1925, dava o ponta pé inicial em sua trajetória de sucesso. Para tanto, o Rio de Janeiro foi o berço de sua formação. Lá permaneceu durante 14 anos. Frequentou o ateliê do pintor modernista Candido Portinari, junto de Iberê Camargo e Athos Balcão. Na Fundação Getúlio Vargas, fez cursos de gravura em metal com Carlos Oswald e Xilogravura com Axl Leskoschek, importantes gravadores residentes no Rio de Janeiro.
Não demorou muito para Danúbio ser reconhecido como um dos principais artistas plásticos brasileiros, visto que, ainda em 1939, já havia iniciado seu trabalho, a convite dos editores, enquanto caricaturista e ilustrador das revistas “Cena Muda” e “Mirin”, ambas de circulação nacional.
O olhar regionalista de uma arte sem fronteiras
De volta a Bagé, após frequentar a Académie Julian, entre 1949 e 1951, em Paris, e de ter passado um período na Sociedade Brasileira de Belas Artes, junta-se a Glauco Rodrigues, Glenio Bianchetti e Carlos Scliar, jovens artistas, com os quais funda o famoso “Grupo de Bagé”.
Também conhecidos como “Os Novos de Bagé, nome dado pela imprensa local, após a exposição realizada em Porto Alegre, no ano de 1948, a gravura era o destaque de seus trabalhos. Inspirados no muralismo mexicano, em especial, nas obras de Diego Rivera e Frida Khalo, defendiam a popularização da arte através de abordagens que retratavam temas sociais e regionais, num estilo figurativo que mistura traços realistas e expressionistas. A parceria do grupo viria a influenciar diretamente o “Clube de Gravura de Bagé”, o “Clube de Gravura de Porto Alegre” e ainda o “Museu da Gravura Brasileira”.
Talento passado a diante
O retrato do cotidiano, dos costumes sulistas, da preparação do charque, dos instrumentos, eventos, roupas e danças típicas, principalmente da realidade dos camponeses e do trabalhador, registrando a violência sofrida por eles durante suas atividades, apresentam uma arte de denúncia, próxima ao realismo socialista. As séries “Charqueadas” e “Mineiros do Butiá”, ganham destaque em suas produções.
A primeira mostra a produção do charque, a matança dos bois e a secagem da carne. A segunda, com referência na obra de Vincent Van Gogh, retrata a vida dos mineiros. Em ambas, os traços expressionistas e os angulos sinuosos exprimem a força talhada fortemente na madeira, mas também refletem a angústia e a miséria de seus retratados.
A obra marcante e repleta de personalidade de Danúbio ramificou-se, durante o período em que foi professor de gravura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, de 1969 a 1971, e também, a partir de 1963, no curso de Litografias do Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre, instituição que dirigiu até 1978.
O artista e seu legado
O mais notável no pintor, desenhista e gravador gaúcho é a capacidade de renovar-se, tão essencial a qualquer artista. Em cada década uma tendência diferente, uma nova roupagem e leitura de mundo. Se nos anos 1950, a xilogravura foi o carro chefe, na década seguinte, um Danúbio mais fluído, abstrato, com formas nem sempre tão reconhecíveis, valorizando plantas, insetos e animais, ganha a cena. Noutro momento, o uso da gravura, mas também da tinta acrílica e da aquarela, transbordam no erotismo de seus personagens, além do colorido de seus balões e motivos da natureza.
Em 2006, o artista foi homenageado pela Camara Municipal de Porto Alegre. Sua história foi contada também no livro “Danúbio Gonçalves: Caminhos e Vivências”, com apoio da Frumpoarte. Segundo a Fundação Iberê Camargo, a obra de Danúbio Gonçalves está presente em acervos do Museu de Arte do Rio de Janeiro, na Pinacoteca Aplub (Porto Alegre), Museu Nacional de Belas Artes (RJ), na Pinacoteca do Estado de São Paulo, no Museu de Arte Contemporânea da USP e também no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Audacioso, inquieto e, sobretudo, apaixonado pelo que fazia, Danúbio “deu por encerrado” – conforme costuma-se dizer entre os artistas, sempre que um trabalho é concluído – a grande obra de arte que foi sua vida. O artista faleceu neste domingo (21), em Porto Alegre, aos 94 anos de idade, enquanto dormia. Sandra Gonçalves, uma das três filhas do artista, contou, em entrevista à RBS TV, que a morte foi por causas naturais. Disse ainda que seu pai teve uma vida plena e feliz. E ele não merecia menos do que isso, afinal, felizes também fomos nós, por termos podido contar, durante tantos anos, com seu brilhantismo e talento inconfundíveis. Obrigada, Danúbio Gonçalves. O Rio Grande do Sul se reconhece em você.
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