Depois do show sensacional no segundo dia do Grito Rock Pelotas, seguimos os rapazes da Topsyturvy até a Casa Fora do Eixo Pelotas, onde estavam hospedados, e tivemos uma longa conversa com o vocal Alexandre Lima, o baterista Gustavo “Gummer” Rodrigues, e o baixista Athos Araujo, além de Alison Henrique, representante do projeto Nomads, da USP, que os acompanha na viagem pelo sul.
Conversamos sobre os mecanismos que fazem a mobilidade das bandas no cenário nacional, os coletivos e projetos que os articulam, e as novas formas de interação social e ocupação dos espaços públicos que propõem. Conversamos também sobre o som da banda, as influências, as origens e o caminho que os trouxe até aqui.
JOSÉ ANTONIO MAGALHÃES – Como foi que vocês vieram parar aqui?
ATHOS ARAUJO – A gente entrou num edital de bandas paulistas do Nomads USP. A vinculação é o seguinte: é um projeto que se chama Ação Backstage. Eles estão documentando todas essas atividades, que serão em quatro cidades diferentes: três no Sul e São Paulo. Amanhã a gente vai pra Caxias do Sul e domingo pra Porto Alegre. Essa ação trata de vivência nos coletivos. A gente fica num coletivo por um tempo, e depois a gente tem que passar as nossas impressões. Tudo isso é documentado. Sempre termina com um show. Em Porto Alegre e São Paulo vão rolar umas atividades de intervenção, e umas jams com músicos da cidade. Esse apanhadão de todas as atividades está no site do Nomads e eles estão estudando essa atuação sobre os coletivos, e a impressão das pessoas sobre a apresentação. Fora isso, tem essa coisa do questionamento, que foi a interface que vocês viram hoje projetada no teatro. A gente analisa uma questão que o coletivo propõe, ou que a gente ache pertinente, e libera pra galera poder postar em uma discussão aberta. Lógico, sempre foge um pouco, mas a intenção é essa, ter esses pontos de vista diferentes, sobre uma realidade que é parecida com a nossa mas diferente. A gente tem um coletivo também em Mogi das Cruzes chamado “Poranduba” e a gente organiza também Grito Rock, e o nosso festival anual que é o Dezembro Independente. A gente é mais vinculado com música lá. Então foi isso: passamos esse edital, conhecemos o Alison, que é o representante do Nomads que está nos acompanhando, e estamos aqui na Casa Fora do Eixo Pelotas.
J. A. M. – E essa atividade documentada do Nomads, qual é a sua finalidade, ou as suas finalidades? Esses dados que vão ser angariados servem a quê?
ALISON HENRIQUE – Bom, esse projeto na verdade faz parte de um outro projeto maior que se chama Territórios Híbridos, que é um projeto em que a gente vem desenvolvendo várias ações, e uma dessas ações, que é a última, é a ação Bandas, em parceria com o circuito Fora do Eixo. Durante todo esse projeto maior que é o Territórios Híbridos, a gente fez outras ações com o Fora do Eixo, e a gente pautava muito a questão da ação cultural, com meios digitais, e também a questão do espaço público. O Nomads é um grupo criado pela Arquitetura da USP de São Carlos, que está tentando refletir essa questão do espaço público, da intervenção no espaço e tudo o mais. E a ideia é justamente pegar uma banda, que no caso deles (Topsyturvy) é uma banda que já tinha feito algo com o Fora do Eixo, mas não era uma banda totalmente linkada com o coletivo, como o Macaco Bong – uma banda que é quase um símbolo da rede – e jogar eles num circuito com várias instâncias e várias ações, não só o show principal, mas também intervenção e várias outras coisas que interessam ao núcleo. Essas intervenções são mais realizadas em espaços onde o tipo de som deles não toca ou nunca tocou. A ideia é chegar com esse som diferente numa periferia onde talvez seja mais forte o pagode, por exemplo. Tocando na rua, e tal. Em São Paulo tem um bairro que se chama Tiradentes, que é o bairro que é o maior conjunto habitacional desses do CDHU que tem na América Latina, e o cenário lá é bem diferente do que é o Centro, ou outras regiões de São Paulo. Então vai ser interessante. E tem também a questão da vivência da banda nos coletivos, tem a jam session com músicos de sonoridades diferentes. Colocar, por exemplo, um cara numa sanfona e a Topsyturvy fazendo uma jam. E no final do projeto uma das principais ideias é que a banda chegue também com uma posição crítica de toda essa vivência e também do próprio Fora do Eixo. Hoje mesmo teve um pós-TV, sabe? E a banda conhecendo novas tecnologias, para agregar à banda mesmo, e também ao coletivo que eles têm lá em Mogi das Cruzes. É tudo isso, é uma ação bem ampla.
J. A. M. – Como é que foi a experiência de vocês especificamente aqui em Pelotas? Como é que vocês sentiram o pessoal, a cidade, e tudo?
GUSTAVO RODRIGUES – A experiência aqui no coletivo é demais. A gente está participando do processo de produção junto com o pessoal, estamos aqui dando uma força pra eles no que der. Foi do caralho. Passamos um dia viajando praticamente, chegamos aí, puta receptividade legal, e aí ontem vimos o Grito lá no [Wong Bar]. A gente saiu de Mogi das Cruzes, fomos até São Paulo, e o Alison de São Carlos até São Paulo. Nos encontramos lá e viemos pra cá, né. Descemos em Porto Alegre, pegamos o carro e viemos pra cá. Fizemos o Grito. A gente estava louco mesmo para que fosse na praça, porque ontem ia ser lá mas não pôde rolar, e foi bem simbólico. Eles estavam falando do lance do teatro, né, de usar os espaços públicos: como devemos fazer isso? Quais espaços públicos temos para usar? E a receptividade do público foi sensacional. Até melhor do que a gente esperava, eu acho.
A. A. – E só pra ponderar que eu estava até parabenizando a Ana [Pessoa ou Correard, do Fora do Eixo Pelotas] por eles serem um coletivo tão novo e ter essa cara assim, de pôr a cara pra bater, fazer um festival de cinco dias, com toda essa estrutura, fazer em espaços públicos, em locais diferentes, trazendo bandas. Agrega pra caramba. Então parabéns para o coletivo em Pelotas. Pelotas está bem representada pela organização.
ROBERTO SOARES NEVES – Vocês já tinham a experiência de sair assim, em uma cidade completamente desconhecida?
A. A. – A gente fez em 2011, em Cuiabá, o Grito Rock lá. A gente sempre vai se enfiando nos lugares mais longínquos possíveis. A gente tenta se organizar para que a coisa não seja tão dispendiosa, sempre tentamos estruturar uma rota de subida e uma rota de volta. É a primeira vez que a gente toca aqui no sul.
R. S. N. – O som de vocês, lá em São Paulo, é uma coisa comum? Porque para nós parece uma coisa bem diferente do que o pessoal faz aqui.
A. A. – O Topsyturvy é uma coisa estranha, não importa onde a gente estiver. Acho que isso é um carma da banda.
G. R. – Cara, na verdade a gente não procura se prender a nada. Todos gostam de tocar, tocam há bastante tempo, e na verdade o que a gente faz é um pouco de tudo aquilo que a gente escuta. O que a gente gosta de escutar não é só rock. Rock é talvez o tipo de música favorito de todo o mundo aqui, mas a gente gosta um monte de jazz, de samba, a gente gosta de trazer essa coisa da galera dos setenta, que tinha toda essa mistura, era uma coisa bem improvisada, nenhum show igual. Acho que a gente levanta esse lance pra fazer nos nossos show.
R. S. N. – A improvisação é uma grande parte na música de vocês? Porque parece tudo tão complexo que, sem um roteiro, ficaria difícil de acompanhar.
G. R. – Garanto pra vocês que hoje uns 60% foi improviso, cara. Amanhã no show de Caxias vai ser diferente.
A. A. – A estrutura a gente deixa aberta mesmo, nunca sai duas vezes sai da mesma maneira.
J. A. M. – Dá para ver, pelos vídeos de vocês no youtube, que a versão de hoje foi diferente mesmo.
G. R. – É isso. O CD é uma coisa, o show é outra, cada show é uma coisa nova. Isso é o que dá o nosso gás.
J. A. M. – Quando eu comecei a escutar vocês na internet, a primeira coisa que eu pensei foi System of a Down. Depois eu vi que tinha muito mais coisa incluída. Hoje, a primeira música que vocês tocaram me fez pensar em Mars Volta. Então eu queria saber sobre referências, perguntar se essas que eu mencionei têm a ver, ou se há outras.
ALEXANDRE LIMA – Cara, a gente gosta pra caralho de Mars Volta. Não é a única referência, claro. A gente gosta de System também, foi no show, mas claro que não são as únicas referências.
G. R. – Eu acho que pra falar referências não tem bandas, as nossas referências são estilos mesmo. É o rock, né cara, especialmente a postura da galera dos setenta; um pouco desse peso que veio aí nos oitenta, o metal, principalmente o thrash metal; o jazz, que é uma influência de todo o mundo, principalmente o bebop; e a música brasileira, que a gente pega bem, e sempre coloca. Todas as músicas têm um quê de música brasileira. Acho que, mais do que bandas e artistas, esses estilos é que são as nossas referências assim como um todo.
R. S. N. – Como, quando, e com que objetivo foi criada a banda?
A. L. – Eu tinha uma banda com o André Marques, um brother guitarrista. A banda se chamava Mentecapto. Daí terminou, e a gente chamou o Gummerzão, o melhor baterista que eu conheço vivo. Tinha o Guilherme também na banda. Aí deu uma ruptura meio doida lá que não vem ao caso. Coisas superadas por todos Aí o Athão entrou, e o objetivo sempre foi tocar. A gente curte tocar pra caralho. A gente sempre gosta de ensaiar. É um momento que você vai, acende um beque…
R. S. N. – E a criação é coletiva?
A. A. – É sim, cem por cento.
A. L. – Noventa por cento é de jam sessions. Eu chego às vezes com uma base, um riff, uma letra já feita, mas os caras já mudam tudo.
J. A. M. – Não é aquela coisa de levar a canção pronta no violão pra galera fazer algo em cima, então.
A. L. – Tem até música que nasceu assim, cara, tinha uma musiquinha no violão, mas pô, a música vira outra coisa, muda cem por cento.
R. S. N. – Quantos discos vocês têm gravados?
A. L. – Dois. Um e meio, na verdade, porque o primeiro a gente gravou nessa outra formação. O segundo a gente gravou cinco músicas, porque a gente queria logo que a banda tivesse a nova cara. Porque mudou bastante. A banda continua sendo a mesma, mas ao mesmo tempo saíram duas pessoas, entrou uma pessoa. A gente era um quarteto, e em quatro fica difícil fazer essas piras que a gente curte fazer de improviso, de ir cada um para um lado. Em três dá mais liberdade. Tem os dois, os caras segurando ali, aí vai que vai.
J. A. M. – E quando eu vou ter o disco de vocês na mão?
A. L. – A gente tá terminando de gravar mais cinco ou seis músicas, aí vamos fechar em dez, e aí a gente vai prensar um segundo disco. Por isso que é um disco e meio. Acredito que o disco saia no meio do ano, no máximo. A gente é independente, tem que juntar grana.
J. A. M. – E vai ter essa história de banquinha Fora do Eixo? Vai chegar aqui para nós?
A. L. – Acredito que sim, cara. O primeiro não tem porque saíram muito poucos. A banda se rompeu quando ainda faltava a mixagem do CD. A gente pensou: vamos mixar, vamos lançar, e aí a gente procura um novo cara na sequência. A gente procurou guitarrista, procurou guitarrista, até que a gente falou “que se foda, vamos em três mesmo, e já era.”
R. S. N. – Quanto às letras, vocês têm uma linha? Temas comuns?
A. L. – Cara, é o cotidiano, assim. Eu não saberia explicar bem do que se trata.
J. A. M. – São coisas mais subjetivas então, coisas pessoais, não algo que tenha uma mensagem.
A. L. – Não, nada muito panfletário. Por enquanto, pelo menos.
R. S. N. – E elas refletem a variedade da banda?
A. L. – Acho que sim, acho que sim.
A. A. – A gente, sonoramente, não tem uma coisa que segure ou que prenda. A Topsy teoricamente não vai só compor em inglês, não vai ser sempre como é hoje.
J. A. M. – Mas vocês por enquanto só têm músicas em inglês ou tem alguma em português? Porque tem essa questão que às vezes o pessoal não entende o motivo de bandas brasileiras escreverem em inglês. Existem motivos. Então, se der para falar um pouco do que leva vocês a compor em inglês…
A. L. – Isso aí já deu uma discussão monstra. Eu que escrevo as letras em inglês, porque para mim é mais fácil escrever em inglês. Eu acho que o tipo de som que a gente faz soa melhor em inglês. Se tiver uma hora que soar melhor em português, vai surgir espontaneamente. Por enquanto, soa melhor em inglês. Eu já tentei fazer música pro Topsy em português, mas não rolou. Fica esquisito. Eu acho que é como instrumentos diferentes, saca? Uma guitarra tem um som, o baixo tem um som. Um idioma tem um som, o outro tem outro som, saca? Se eu soubesse falar alemão, imagina, pode ser que ficasse legal pra caralho. Cada idioma tem um timbre. Tem uma galera que critica banda brasileira que toca em inglês, mas eu quero mais que se foda, sabe.
G. R. – Além disso é o seguinte: tem uma galera que fala que escreve em português, mas aí tu vai ver a roupagem da música e ela é toda gringa. Os caras vêm com o discurso da cultura brasileira, mas tocam punk rock, ou grunge.
A. R. – Quer dizer então que é só a língua que importa pra falar que é uma banda brasileira? Não é, cara. A gente coloca um monte de coisa brasileira, bossa nova, batuque. Não é a língua que vai falar se eu sou brasileiro ou não. Eu sou brasileiro pra caralho! Mogi-cruzense, suzanense. Tem gente que fala que a gente canta em inglês porque quer fazer sucesso na gringa. No seu cu, mano!
J. A. M. – Além do mais, não tem nada de errado em fazer sucesso no exterior, né cara?
A. L. – Isso é hipocrisia, né cara. A gente tá com planos de tocar fora. Esse ano a gente quer dar um jeito de pelo menos fazer aqui. Aqui no sul a gente tá perto do Uruguai, por exemplo. É bem mais viável financeiramente pra gente. Claro que a gente quer tocar fora. Quanto mais melhor. E o principal é que a gente não nega que é Mogi-cruzense, né! Da terra do caqui!
R. S. N. – Só tem mais uma. Quero saber do nome.
G. R. – A gente tinha que nomear essa parada. Tinha que ter um nome. Nós fizemos um brainstorm e fomos levantando nomes. Aí a gente já tinha inclusive alguns sons do primeiro álbum. Na verdade antes do primeiro álbum tinha um EP chamado “Menos Um.” Então a gente fez esse brainstorm, e surgiu esse nome que em resumo significa “tudo do avesso”. Daí tem umas curiosidades, que é que é o nome, por exemplo, de uma maneira de plantar, principalmente tomate, que você planta de ponta cabeça. Também o site topsyturvy.com é de plantação de tomate. E é também uma forma de fazer bolo. Aqueles bolos de casamento. Só que, se é meio tortinho, estilo Torre de Pisa, se chama Topsyturvy. Então a gente chegou nesse nome, que é “tudo do avesso”, e a gente pensou que, apesar de ser esquisito, de rolar um estranhamento, fala o que é a banda.
Fotos: Casa Fora do Eixo Pelotas
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.