Por Mateus Neiss
Existem filmes que nascem da necessidade de se retratar uma situação através do improviso, externar um sentimento oportuno nem que seja de forma minimalista. Geralmente são estes que se demonstram genuinamente mais autênticos, ainda que essas características não bastem para concretizar totalmente uma ideia. A Misteriosa Morte de Pérola (exibido no último dia do Frisson – Panorama de Cinema de Pelotas) é um destes filmes, o qual nasceu da experiência de Guto Parente (diretor do excêntrico Doce Amianto) e Ticiana Augusto Lima. Ambos abandonaram seus mestrados na França ao perceberem que o local de sua estadia era uma rica fonte narrativa. O apartamento em questão era um lugar obscuro que aduzia uma atmosfera que todos conhecemos: o medo.
Já no primeiro plano somos introduzidos ao dispositivo que mais compunharia narrativa no longa (com aproximadamente 62 minutos) em questão, um arquivo VHS inunda a tela com pixels demarcados e logo em seguida se rompe para a apresentação da protagonista, proposta semelhante a de Michael Haneke em Benny’s Video (1992), desta vez bem menos agressivo.
“A Misteriosa…” possui uma abertura lenta onde a personagem Pérola (vivida por Ticiana Lima) explora o espaço de seu novo apartamento, beirando um cinema contemplativo e que se demonstra eficiente para a exposição do espaço geográfico no qual o filme inteiro se passará. São nestes cinco primeiros minutos que nos é apontado outro elemento importante de sua mise-en-scène. Trata-se das enormes janelas que cercam a moradia. Os diretores se atribuem de sua falta de recursos e acabam por aplicar significado narrativo na sua principal fonte de iluminação, a luz que entra das janelas é totalmente estourada e incapaz de passar qualquer informação sobre o mundo exterior que cerca a personagem, ao mesmo tempo que penetra os cômodos do escuro apartamento, como se alguém ou algo deseja-se entrar para o universo de Pérola. O mesmo se passa com os retratos pendurados pelo local, estes parecem querer sair das molduras enquanto não só são observados, como também observam tudo o que se passa entre aquelas paredes.
A já comentada utilização do VHS se transforma conforme o filme avança: se em seu começo as imagens de arquivo nos remetem a uma sensação saudosista por parte da protagonista através de inserts de lembranças passadas, a partir de sua metade a estética narrativa do dispositivo nos remete a um mundo sobrenatural e sombrio. É também nessa segunda metade que os diretores parecem perder parte de seu domínio narrativo, o que se demonstrava interessante e com ritmo contundente acaba por cair nos maneirismos do terror clichê, registrando inclusive momentos onde o desenho sonoro serve de bengala para criar suspense – um dos erros mais tradicionais no novo cinema de terror. Tudo o que soa como interessante no primeiro ato (o filme é divido em dois deles) se torna redundante e maçante no segundo, a ponto da escatológica sensação, de que planos estão se repetindo, fazer-se presente.
Toda a beleza bucólica inicial do projeto se esvai, abrindo espaço para um marasmo sem muitas sofisticações narrativas. O roteiro fraco, que no começo se disfarça dentre os charmes apresentados inicialmente, se revela um problema quando o diretor decide ignorar os vícios e repetições do longa. Apesar dessas frustrações, “A Misteriosa Morte de Pérola” é um respiro no limitado cenário de terror nacional, a despeito das condições precárias de realização do filme, que colocou à prova a habilidade destes jovens realizadores.
Leia também: Frisson – Cinco dias dedicado ao Cinema em Pelotas
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.