“Mato Cerrado e o vício da liberdade” por Ediane Oliveira


O legado de músicos livres e marginais da primeira metade dos anos 70 ainda deixa marcas no mundo todo. Três músicos da região sul do estado, ainda que nascidos uma década após um tempo icônico e abissal na música, ainda revisitam, a partir de uma identidade particular em sua própria arte, uma nostalgia e um reconhecimento pelo muito que ouviram e ainda ouvem nos discos.

“Cresci num ambiente de vinis, com muito Led Zeppelin, Cream, Jimi Hendrix, Bob Dylan… e mais uma infinidade de música. Meu pai foi essencial nisso”, conta o guitarrista Yuri Marimon. Seu pai, conhecido como Rubinho, um dos maiores incentivadores da banda – o cara que leva os músicos e instrumentos em sua kombi para onde for, e que, inclusive, batizou o trio de “Mato Cerrado”-, teve um papel relevante na formação musical desde a pré-formação da banda. Foi assim com Yuri e também com Felipe (baterista), amigos desde infância. Cresceram juntos, estudaram ao lado desde os 6 anos e passaram sua adolescência em meio a discos e ensaios. “Ouvíamos também muito punk quando éramos mais novos. A influência de bandas como Ramones também foi muito forte no início”. Felipe conta que os envolvimentos da banda com um rock mais pesado, carregado de guitarras e improvisos vieram mais agregados a partir das vivências e da liberdade que sentiram na experimentação na música. A formação conta com o baixista e vocalista Wysrah Moraes, ao lado de Yuri Marimon e Felipe Nobre. Também passaram pela banda o vocalista e guitarrista Rafael Alam, participante desde o início, e Eric Filho, baixista, que acabou saindo antes do primeiro show oficial.

Mato Cerrado mostra não ser taxativa e fiel a uma escola única da música. O som é livre. Da referência punk mais no início, ao rock rural feito no Brasil, aos clássicos do rock, jazz e blues internacionais. A banda, formada em 2010, não aceita rótulos, nem um estilo definido. Partem do rock e deixam se levar pelo sentimento de improvisação em uma onda musical que fascina e liberta. Um caminho inesgotável e delirante.

“O mato é livre. E fala muito sobre nós”
O nome é cru, selvagem. Carrega a força da energia da natureza. Quando Rubinho deu o nome à banda, lembrou de liberdade. “Acho que o nome fala muito sobre nós. Temos uma pegada mais natural, orgânica, real. O mato é assim. Não cumpre padrões como a cidade, por exemplo. Ele não é regrado, nem civilizado. O mato é livre…” Yuri também lembra a forte relação com uma casa para fora, no campo, o espaço Basílio, próximo a Pedro Osório – cidade de ‘curtidores e loucos’ por som. A pequena cidade do lendário Santana e do vocalista e baixista Wysrah, integrante da banda. “A gente monta os instrumentos no meio do campo, na volta da mata e toca”. O lugar é inspirador e funciona como palco. Aliás, Mato Cerrado não sobe com frequência aos palcos. Tem o chão, o mato e a terra ainda como espaço primitivo onde tudo começou.

Soltar a música, improvisar e sentir
Ten Years After, banda britância de blues-rock exprime, há algumas décadas que “em todo lugar há malucos e cabeludos” na canção I’d Love To Change The World (Eu Amaria Mudar o Mundo). Das lembranças do trio, Ten Years After é uma das maiores existências no mundo da arte: “Talvez a melhor sensação na música não é apenas em tocá-la, mas sentir o tempo todo. Eles soltavam a música e a sentiam”, disse Yuri. Esse tom de liberdade e improviso no meio da música também é uma das grandes características da banda Mato Cerrado.

Das lembranças, há também frustrações. O primeiro show, num bar, em Pelotas, segundo eles, foi uma experiência gritante, mas de muito aprendizado: “Não nos ouvíamos. A parte técnica do som não ajudou. Foi terrível, mas faz parte”. Na semana seguinte ao primeiro show traumático, a banda se apresentou na garagem da Woodstock Discos, que rendeu uma gravação em CD e uma apresentação de lavar a alma.

Mais uma noite
“Suor e dor, sangue e altos voos. Promessas e dívidas, consolos” são alguns dos trechos do blues-rock “Mais uma noite”, música gravada recentemente em um videoclipe, no pátio da Maria Bonita Comunicação. A música, escrita como uma libertação interior, se expressa com a essência de um blues. “Parte de uma dor, fala de uma tristeza que transcendeu emocionalmente”, disse o compositor Yuri, que compartilhou a letra com Wysrah e Felipe, para o resultado final da música.

“Mais uma noite” fará parte do EP que contará com 3 canções, previsto para sair no segundo semestre do ano.

Sobre subir aos palcos, os três músicos querem – mais do que nunca – encarar as inquietantes surpresas que o mundo da música expressa. Seguir compondo, gravar, tocar e principalmente sentir. Talvez num sentido de devoção e entrega, como disse o mestre Jimi Hendrix “Eu queria que tivessem solos de guitarra somados a instrumentos num som louco em campos de algodão, em tempos bons e maus”

por Ediane Oliveira