Musa Híbrida lança “Respirei o poema cuspi” – texto por Angélica Freitas


Imagem: Maga

A banda pelotense Musa Híbrida acaba de lançar, por volta das 12h de hoje (16/07/16), o audiovideovirtual “Respirei o poema cuspi” no youtube.
Aperta o play e na sequencia leia o texto da poeta Angélica Freitas sobre esse novo trabalho. Depois passa no canal da banda e deixa aquele like.

Respirei o poema cuspi
Talvez o título pareça longo para um disco que tem apenas quatro faixas. Toma fôlego e vamos lá: “respirei o poema cuspi um acorde torto a terça ficou presa no meu cabelo entrelaçados meu amor as canções estão no ar fechei olho boca mas invade o ouvido sucessivos breques enorme sensação amarga-doce por que a arte resiste nos dias de hoje os amores de desenho de repente tudo é som não tem silêncio não tem conversa barulho da doçura e raiva as palavras são pedras carregam fonemas notas pesos criam imagens por um mundo sem aspas a porra toda em vibração”.

Mas essa torrente de palavras, na minha opinião, combina bem com o terceiro trabalho desta banda que vem se firmando como uma das mais interessantes do sul do país, e por que não dizer de todo país, de toda a América do Sul, e se me permitem ser bem sincera e dar a real para vocês: da galáxia inteira.

Para quem ainda não conhece, a Musa Híbrida é uma banda que se formou em Pelotas (RS) em 2012, e é composta por Camila Cuqui (vocais, bandolim, guitarra, baixo), Alércio PJ (também vocais, bandolim, guitarra, baixo) e Vini Albernaz (teclados, guitarra, batidas). Nesses quatro anos de estrada, os três lançaram dois álbuns incríveis: “Musa Híbrida” (2012) e “Verde fosco roxo cinza” (2014).
Dá pra baixá-los no site www.musahibrida.com.

Musa Hibrida - Foto Divulgação
Musa Hibrida – Foto Divulgação

A coisa só melhora com “respirei o poema cuspi”, que ouvimos em primeira mão na casa do Vini numa noite muito fria de junho de 2016 em Pelotas, friaca que foi mitigada por uma deliciosa lentilha preparada pelo dono da casa, bem como por outras delícias que apareceram e apenas melhoraram a nossa audição. Mal os guris deram play e nós embarcamos numa viagem à qual fizemos questão de retornar muitas vezes naquela noite, como crianças que não cansam de andar de escorregador – pelo menos foi verdade no caso de Sarah, Lulu e eu, que não conseguimos abandonar o sofá da sala enquanto as canções tocavam em loop.

Os teclados e batidas eletrônicas de “manga rosa” nos sugaram, nos capturaram e nos atiraram para dentro desse mundo denso em que Cuqui repetia, com seu vocal preciso, flutuante, mágico: “manga rosa vai brotar”. Eu consigo imaginar sereias cantando “manga rosa vai brotar” com a voz da Cuqui para um Ulisses atado num mastro, e só lamento que suas orelhas estejam tapadas de cera.

Em seguida veio “gris”, que assim como a “manga rosa” foi escrita pelo Alércio PJ. O gris vem da cor de um fio da barba do Alércio PJ, portanto é uma canção sobre a maturidade, eu poderia opinar e creio que não estaria errada, como também posso dizer que o Alércio está cada vez melhor com o passar dos anos, bah, e só é verdade.

A viajante “dunas”, do Vini Albernaz, foi composta a partir de ruídos dos ventos nas dunas de areia ali perto do Las Acácias (quem é de Pelotas sabe onde fica). O Vini andou por lá com um gravador, depois transformou esses trechos nas peças dos beats, juntou uns barulhinhos eletrônicos que ele estava cozinhando ali, antes das famosas lentilhas, jogou umas pitadas de Chet Baker, mexeu aqui e ali, e ficou uma delícia. Um mago, esse Vini.

Por fim, tem essa canção incrível que a Cuqui fez com a Bru, chamada “o convencido”, que começa com os versos “O mundo que cê criou não me contém, a imagem que cê criou de mim não me contempla”. A Cuqui também é artista visual e tudo o que ela faz é inquieto, questiona o tempo inteiro o mundo do ponto de vista de uma mulher. Para mim “o convencido” é uma grande canção, consegue dar voz a nós todas e mostrar que estamos atentas para o fato de que até “palavras são bens culturais”. “Me explica que é normal/ Tem que manter igual/ Que é muito radical/ Rimar com femicídio.” Que petardo. Obrigada, Cuqui e Bru, pelo petardo, e pela oportunidade de utilizar essa palavra pelo menos duas vezes na vida.

Querida ou querido ouvinte, espero que a esta altura eu já tenha te convencido da importância, da beleza, da maravilha que é este “respirei o poema cuspi”. Eu vou te dizer ainda respirei esse poema e prendi, e que não vai sair de mim nunca mais. Boa audição, com ou sem lentilhas.

Angélica Freitas,
Pelotas, julho de 2016

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