Nestes dias ventosos lembro-me do casarão que engolia vento. Ficava lá no bairro Areal, perdido meio ao mato. Vizinho do hoje Museu da Baronesa, a velha construção assustava a garotada, cujo prazer era explorar os arredores. O vento forte roncava, açoitando as árvores, perdendo-se nos desvãos dos barrancos próximos. Para chegar ao solar tínhamos de vencer cerca de três quadras de mato fechado, predominando pés de eucaliptos, grossos e nodosos, cuja folhagem vociferava contra a agressão vento do forte.
Quando chegávamos às proximidades do casarão, graças a um sortilégio inexplicável, o vento serenava. Irrompia um silêncio de catacumba romana, o qual gritava em nossos ouvidos. O amigo leitor, evidentemente, já experimentou silêncios agressivos, que retumbam em nossas almas, fazendo-nos reféns do medo?
Pois é, assim era o silêncio que desabava sobre o velho casarão. Pé ante pé, avançávamos em direção à porta central, cuja madeira dava mostras de senilidade. O objetivo era mirar o interior do casarão entregue às sombras, habitado por aranhas, lagartos, morcegos e tudo mais que coubesse em nossa imaginação, inclusive fantasmas de negros.
Rezava a lenda que havia uma princesa aprisionada no sótão do solar, que se aproveitava do silêncio para pedir socorro. Jamais ouvimos voz feminina suplicando por ajuda, não que fossemos surdos, mas porque a jovem, tínhamos certeza, enfraquecia-se a ponto de apenas gemer e balbuciar frases ininteligíveis.
Chegávamos à porta, a alma latejando nas têmporas, e olhávamos a escuridão do grande salão entregue ao silêncio dos silêncios. Sim, existe um silêncio maior, de caninos à mostra, o qual se faz sentir nas veias, seguindo em direção ao coração, cujos dedos gelados apertam-no, fazendo-o diminuir os batimentos, levando-nos ao quase desfalecimento.
Reféns daquele silêncio, nossos sentidos estavam alertas a qualquer balido da jovem, talvez um gemido, um resmungar… Quem sabe um chorinho tímido que o caminhar de um formigueiro proibia-nos de ouvir.
Nada. Absolutamente nada a ouvir, exceto o formigueiro. Desolados, quase às lágrimas, percorríamos o entorno do casarão, olhando um céu cinza que deixava o cenário ainda mais lúgubre. Trocávamos olhares cúmplices, dizendo-nos haver chegado o momento de ir embora, gosto de frustração à boca.
O vento que o casarão engolira, tão logo dele nos distanciássemos, era devolvido com fantástica energia, a ponto de quase arrancar as árvores. O mais frustrante para nós era ouvir meio à ventania o grito de socorro da jovem aprisionada. Mas não podíamos fazer nada. Não àquela hora… Tínhamos a esperança de que o casarão que engolia ventos, no dia seguinte, iria nos ajudar.
Texto e Fotos: Manoel Magalhães
Jornalista e escritor
Cultive Ler – Um olhar paralelo
Foto: Museu da Baronesa
“Dia de todos os santos”
ast 50×60
pintada por Manoel Magalhães
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.
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