Por mais que o teatro de rua seja uma manifestação de diálogo próximo e, muitas vezes, inesperada às pessoas que por ali circulam, em virtude da falta de incentivo do poder público, os pelotenses não estão muito acostumados a presenciar este tipo de apresentação artística pela cidade. Entretanto, esse estranhamento dura o tempo de alguns segundos que, rapidamente, são conquistados pelo carisma dos artistas que estão ali levando a sua arte ao contato mais democrático com o seu público.
Os fatos que estou relatando se referem à apresentação do espetáculo “João Cheroso e João do Céu Vendendo Cordel”, apresentado pelo grupo Eureca, oriundos do Amapá, com texto e direção de Joca Monteiro que também atua ao lado de Elder de Paula para contar as histórias dos dois personagens. A peça conta as aventuras de dois retirantes nordestinos que saem pela Amazônia em busca de melhores condições de vida. Ao chegarem em Macapá (AP), descobrem que Luiz Gonzaga também já havia estado por lá e composto músicas em exaltação à cidade. Por esse motivo, resolvem declamar em forma de cordel a história do famoso “Rei do Baião”.
Os espectadores pelotenses já estariam felizes somente pela vinda de artistas de uma região tão distante do país trazendo seu espetáculo à cidade. Porém, o contato com uma estética tão diversa da comumente observada no Rio Grande do Sul e o universo do cordel já podem ser considerados como ganhos para as pessoas que ali estavam assistindo ao espetáculo. Entretanto, gostaria de salientar um fato que me chamou muito a atenção. Não me centrarei tanto no trabalho dos atores, mas sim, na maneira pela qual se deu a recepção do público.
Por mais que o sotaque dos atores fosse diferente, que a maneira de contar histórias não fosse a mesma dos gaúchos, o sorriso e o interesse da plateia conseguiu desviar o meu foco. Percebi que o público se mostrava muito interessado, participativo e, principalmente, identificado com aquele evento que estava ali acontecendo no meio da praça. As pessoas esqueciam a diversidade de acontecimentos que transcorriam na rua e mergulharam no universo teatral, de uma maneira que costumamos observar nas casas de espetáculos fechadas.
Logo após o espetáculo vindo do Amapá, o público teve o prazer de assistir ao trabalho do grupo Teatro Universitário Independente, intitulado “Ida ao Teatro”, oriundo de Santa Maria (RS), com direção, figurino e atuação de Cristiano Bittencourt e Marcele do Nascimento. O espetáculo é baseado na obra de Karl Valentin, adaptado pelos atores para a linguagem clownesca no teatro de rua. O mote da história do casal de palhaços é ir ao teatro. Entre muitas situações que exploram um diálogo direto com os espectadores, saliento o forte carisma dos atores em cena. O público se divertiu, participou e se mostrou aberto ao contato com o teatro. O grande êxito desses artistas foi o de que a comunicação se fez presente e os espectadores saíram dali satisfeitos com o que viram.
O público queria teatro. As pessoas estavam felizes em assistir a uma peça de teatro. Os adultos voltaram a ser crianças por pequenos momentos, se divertiam e participavam da história, de mesmo modo que as crianças ali presentes. A beleza desses momentos efêmeros ressalta a importância e a necessidade que a população tem em dispor do acesso à cultura, em especial, ao teatro. Durante o período de tempo em que o espetáculo foi apresentado ficou explicitado o quanto a população pelotense quer e precisa do teatro.
Um caso à parte e que costumeiramente acontece com o teatro de rua, se refere às crianças e moradores de rua que sempre se aproximam destes espetáculos e costumam ser os espectadores mais participativos e respeitosos da obra que ali está sendo apresentada.
Quando falei em relação democrática, também quis ressaltar à possibilidade daqueles que costumam ser esquecidos pela sociedade entrarem em contato com o teatro de maneira direta e em um local onde o acesso lhes é permitido. Mas, não apenas a eles, neste município, a população em geral está afastada do teatro como um todo. Com o fechamento do único teatro público da cidade e da falta de investimentos nessa área, os espectadores pelotenses passaram a ver a linguagem teatral como uma forma de expressão muito distante de suas realidades.
No entanto, graças ao esforço, trabalho, dedicação e comprometimento de alguns artistas resistentes, a cidade de Pelotas está podendo ter acesso a diversos eventos culturais, durante esse mês de agosto. Os créditos de todo esse empenho vão para a equipe organizadora do I Festival de Inverno de Pelotas, Aline Maciel, Angélica Freitas, Guilherme Ceron, Juliana Angeli, Junelise Martino, Luiz Filipe Machado, Pedro Silveira, Priscila Costa Oliveira, Sotaque coletivo e todos os artistas envolvidos no evento. Pelotas precisa de atitudes como as desses idealizadores. Porém, não podemos ficar relegando aos artistas o acesso e as políticas culturais do município de maneira independente. É preciso que os canais de TV aberta locais, os jornais impressos, as rádios, as Tvs fechadas e a internet de modo geral divulguem massivamente esses eventos, da mesma forma que o fazem quando os elencos das telenovelas pisam no solo desse município.
Além disso, também se faz necessário que os empresários dessa cidade compreendam o valor não apenas para o enriquecimento cultural da população pelotense, mas se apenas pensarem numa lógica capitalista de aumento de lucro, que o façam percebendo que eventos como este podem reverter em cifras para os seus caixas. O empresariado local deve compreender que exemplos não faltam do retorno financeiro que o turismo agregado a eventos de Festivais como esse estão tendo pelo país à fora. Nesse sentido, os empresários pelotenses deveriam ter a visão de que o investimento e a ajuda que oferecessem a acontecimentos locais, seriam revertidos diretamente nos aumentos de lucros que viriam com a circulação da população local e com os turistas. O entretenimento e a cultura são fontes de renda para muitas cidades pelo mundo. Entretanto, nada cai do céu e os investimentos são necessários. Qualidade artística temos de sobra. O que falta agora é apoio.
Até este momento citei a mídia e os empresários. Todavia, não podemos relegar todas as responsabilidades para alguns setores da sociedade, quando o poder público tem um papel importantíssimo numa situação como esta. Entretanto, para que a cidade lucre e que a população tenha mais acesso à arte e à cultura, há a necessidade de todo um esforço político para viabilizar que esse tipo de evento possa ocorrer em Pelotas, sem que seja necessário trazer algum ator de novela ou músico do grande eixo de mídia carioca ou paulista para atrair o apoio político. Deixo aqui esse tipo de reflexão, especialmente, nesse ano em que estaremos podendo exercer o nosso poder como cidadãos e levando as nossas necessidades às urnas na forma de votos para eleger o cenário político futuro de nossa cidade.
Portanto, para finalizar esse texto, gostaria de explicitar que neste domingo 05 de agosto de 2012, quando o teatro invadiu à Bento, com duas peças de teatro, quem lucrou foi a população pelotense com a possibilidade de apreciar o trabalho desses profissionais que vieram de muito longe para trazerem a sua arte até esta cidade. Além disso, ressalto a importância do trabalho executado pela atriz Aline Maciel e sua equipe na organização do I Festival de Inverno de Pelotas, a todos eles faço minhas reverências e agradecimentos por essa iniciativa. Oxalá que este seja o primeiro passo de muitos outros que ainda venham a acontecer! Porém, para os próximos, espero que o poder público, empresariado e mídia local não limitem os seus esforços e investimentos para que a população pelotense tenha cada vez mais acesso às artes em geral.
MSc.Vagner Vargas
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.