Para que o capitalismo não destrua a poesia: FLIA dá espaço à arte popular


Organizada pela RádioCom, a segunda edição da Feira do Livro Independente e Autônoma aconteceu no feriado de Finados.

Foto: Sotaque Coletivo

O ensolarado feriado de 2 de novembro, teve, em seu segundo ano, mais uma edição da Feira do Livro Independente e Autônoma (FLIA), em Pelotas. O movimento não é novo no mundo. Já começou há muito tempo, em Buenos Aires, com a multicultural “Feria Del Libro Independiente y Alternativa”, em um estacionamento abandonado próximo à faculdade de Ciências Sociais, da capital portenha. De lá, se espalhou por diversas partes do América Latina. Pelotas, por exemplo, é a primeira cidade do Brasil que recebeu a Feira. A primeira edição, no ano passado, reuniu escritores independentes, artistas, produtores culturais e ativistas, na zona portuária de Pelotas, no Quadrado. Neste ano, o movimento tomou uma força ainda maior: contou com mais expositores, lançamentos de livros de escritores locais, apresentações artísticas, conversas sobre obras, tenda infantil com contação de histórias, espaço livre artesanal e uma forte participação do público.

Alguns perguntam se a FLIA é uma extensão da Feira do Livro tradicional, já existente em Pelotas. Claramente, não é. A FLIA é um livre movimento de valorização e circulação da arte, independente da Feira do Livro existir, mesmo que, grande parte de seus expositores, não está na agenda da feira tradicional. Seu espaço e idealização transcende iniciativas do poder público, em parceria com organizações privadas. Se tivéssemos ainda mais feiras, a FLIA continuaria existindo. Ela surge da necessidade de exposição da diversidade de produções que têm surgido, fortemente na cidade e caracteriza-se como algo inovador, com identidade própria. Um dos maiores exemplos, é o caráter livre de como se organiza. Não há uma equipe de trabalho separada, se não a mesma que produz e idealiza o evento. O cenário retrata: No decorrer do dia, começam a chegar expositores e curiosos. Alguns, sentindo-se livre para trazer seus escritos, – sejam eles em ofício, blocos, livros, etc, usam o espaço. Os materiais vão aumentando conforme o andar da carruagem e do dia. O resultado é exposição do livro de uma escritora pelotense que está no Oriente Médio, parcerias com editoras independentes de Porto Alegre, artesanato vindo do Chile, lançamento de livros de escritores locais, trocas e vendas de livros, espaço da alimentação, teatro de rua e shows ao anoitecer. Por esse caráter diverso e informal é que a FLIA, como o próprio nome relata, é alternativa e autônoma. Dá a autonomia ao público conhecer a vitrine do que tem sido produzido aqui. Autonomia ao amante da arte dialogar com o escritor e com outros amantes da literatura sobre o prestigioso ato de ler e escrever. Autonomia ao músico apresentar o seu trabalho. Autonomia ao público ter mais opções de cultura. Autonomia de não ser dependente de uma programação lado A. A FLIA é também um lado B de Pelotas. Não é a toa que foi para o Quadrado: diversas regiões da cidade necessitam da arte mais próxima, necessitam que a arte, de fato, seja descentralizada. E as Doquinhas, são um exemplo.

Foto: Sotaque Coletivo

O mercado e a compulsão da venda, sem ter sensibilidade com o universo artístico, tem destruido, aos poucos, a oportunidade de jovens e velhos escritores anônimos, terem um contato maior com o público, sedento por arte. Tem destruido o que ainda nos resta de mais precioso: a percepção às coisas mínimas e necessárias, que a literatura, a música, ou qualquer manifestação artística, proporciona à vida humana. A FLIA é autonoma e independente no contato com as pessoas, fazendo-as serem protagonistas de sua programação, com o microfone aberto, com o palco disponível e com as mesas prontas para receber manuscritos, pois, assim como na escrita, não se pode ter limites na imaginação, em iniciativas como uma Feira participativa, popular e plural.

Que a burocracia e a selvageria do mercado que nos impõem dia após dia, não destrua e não corrompa a poesia, simples e viva, que ainda permanece nos nossos escritores, artistas, no nosso público, na nossa cidade. Em nós.

Por: Ediane Oliveira
Maria Bonita Comunicação e RádioCom