Pelotas é uma cidade que não cansa de surpreender pela manutenção do seu próprio passado enquanto um discurso que legitima as ações do presente – ou a maneira de “vender a cidade”. Ao encontrar, no site da Secretária de Turismo do Estado do Rio Grande do Sul, uma descrição de Pelotas, encontramos o seguinte:
Elegância, sofisticação, requinte, bom gosto, opulência, cultura – são conceitos que estão sempre à disposição do turista, toda a vez que ele se propõe a compartilhar, por alguns momentos, as tradições de Pelotas.É que o passado de Pelotas foi tão rico, foi tão pródigo, que transmitiu naturalmente aos seus restaurantes, às suas confeitarias, aos seus cafés, às suas livrarias, às suas casas de vinho, às suas antigas charqueadas, aos seus antiquários, aos seus museus, um bocado de charme….
Está aí uma das coisas que mais me admira, Pelotas realmente tem uma paixão por si mesma que supera qualquer outra cidade da Região Sul – Rio Grande é peixe pequeno frente ao bairrismo que existe em Pelotas e o passado glorioso que ainda reverbera no presente.
E a admiração por essa cidade vem crescendo no sentido positivo. Com o passar do tempo, um sentimento ligado ao pertencimento se faz mais forte, não que me sinta um pelotense (longe disso!), mas sim um sentimento que remete ao entendimento de certos códigos que pairam na cidade. Esse passado glorioso é o que move a cidade em pleno 2012, é passados das baronesas e charqueadas que alimenta o imaginário pelotense ainda de maneira visceral.
E o quanto a cidade faz a manutenção desse discurso é admirável de ver, o quanto se consegue tornar ele atual em pleno século XXI é uma estratégia que não só foi codificada, como já merece até aplausos. Enquanto Rio Grande patina no seu slogan “Cidade Histórica”, e não tem a mínima idéia do que fazer com ele, Pelotas sabe fazer dinheiro e fama com a “Cidade do Doce”, “Cidade das Charqueadas”.
Claro que existe a dimensão dos conflitos e exclusões que esse discurso gera – daí o viés perigoso – porém ele também é a engrenagem da cidade: hoje, ser pelotense parece ser viver nessa twilight zone, em que o passado é a forma de gerenciar as ações atuais, fazendo do paradoxo uma forma de vivência do/no cotidiano. Seja para abraçar a causa, ou criticá-la, todos re-atualizam e se reapropriam de um discurso que manifesta o que há de mais identitário em Pelotas: o passado, que “foi tão rico, foi tão pródigo”.
Texto: Felipe Nóbrega
Fonte: odiariodomatuto.wordpress.com
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.