A fotografia não possui som, mas é capaz de evocar a memória auditiva. Aqueles que participaram do 13º Festival Internacional SESC de Música, daqui a alguns anos, recordarão desse momento, efetivamente, por meio de imagens. As lembranças se tornam mais nítidas quando estamos sozinhos, em silêncio, refletindo sobre o que vivemos. Nesses momentos íntimos, ao observar uma fotografia, é possível sentir o clima, o cheiro e, certamente, ouvir a música que estava tocando.
Para aprofundar essa ideia e destacar a importância da fotografia no Festival SESC de Música, o Ecult entrevistou o Paulo Rossi, fotógrafo oficial do evento. Ao longo da conversa, ele compartilhou sua experiência, a relevância do registro visual para o festival e como suas imagens ajudam a eternizar momentos únicos da música e da cultura pelotense.
Entrevista com Paulo Rossi:
Lucian Brum: A tua fotografia tem se destacado no Festival Internacional SESC de Música. Há quantos anos tu és o fotógrafo oficial do evento e como tem sido essa experiência?
Paulo Rossi: Eu fotografo há três anos no festival. Acho que meu trabalho ficou tão marcado no festival porque comecei a desenvolver uma narrativa própria. O meu trabalho tem uma influência artística muito grande. Eu admiro arte desde muito novo. Ainda criança, por volta de 4, 5 anos, lembro de ouvir LPs do Chico Buarque, Caetano Veloso e de me interessar por desenhos, pintura… A arte sempre esteve muito próxima. Tento, o máximo possível, aproximar essas referências artísticas da minha fotografia. Um exemplo é uma foto que fiz de uma professora de harpa, em um momento em que ela estava ensinando o movimento das mãos para a aluna. A harpa é um instrumento com dezenas de cordas, e eu fotografei exatamente o momento em que ela colocou o dedo no dedo da aluna pelo outro lado da harpa. Nessa composição dos dedos se encontrando, existe uma referência artística, além da sensibilidade daquele momento de criação ali também. A professora comentou muito no Instagram sobre essa foto. Então, eu tento trazer esse olhar mais artístico para a imagem. E acho que isso ficou bem evidente no meu trabalho no festival, pelo menos, todo mundo comenta sobre isso: os detalhes, a sensibilidade de achar a composição que vai traduzir aquele momento.
Lucian Brum: Tu tens uma carreira com mais de vinte anos como fotojornalista. Sempre enxergou a fotografia dessa maneira?
Paulo Rossi: Mesmo quando trabalhava com jornalismo, sempre tentava colocar um pouco de luz na imagem jornalística. Quando eu estava iniciando a faculdade, assisti a uma palestra do fotógrafo Walter Firmo, que é uma grande referência para mim. Nessa palestra, ouvi uma frase dele sobre um buraco de rua, que é uma pauta elementar no jornalismo. Ele disse assim: “Quando você for fazer a foto de um buraco na rua, você não precisa fotografar o buraco, você pode esperar um passarinho vir beber água naquela poça’’.
Lucian Brum: Este ano, suas fotografias ilustraram os movimentos musicais da peça Suíte Pelotas. Você poderia falar um pouco sobre essa experiência?
Paulo Rossi: Cara, na verdade, vou te dizer uma coisa: sou um aficionado por música. Escuto música o dia inteiro, desde sempre, a todo momento. Tenho um violãozinho em casa e, de vez em quando, toco alguma coisa para os meus cachorros… mas não tenho pretensão de ser músico nem nada. Este ano, teve essa homenagem à cidade de Pelotas, e o maestro Matias me convidou no ano passado para fazer parte, muito em função das fotos do festival que estão no meu livro. Para minha surpresa, ele me chamou para subir no palco no dia do espetáculo. Depois, peguei as imagens da transmissão e fiz um textinho no meu Instagram, dizendo que, com oito anos, ganhei um violão, mas ele veio com defeito, porque eu não conseguia fazer aquele monte de acordes que o maestro faz. Mesmo assim, eu ficava pensando no quão especial seria e como seria a emoção de estar num palco, com milhares de pessoas te olhando. A fotografia me levou para cima do palco porque a minha câmera não tinha defeito, a minha câmera funcionava direitinho, né.
Lucian Brum: A fotografia e a música são formas de arte que capturam e transmitem emoções, cada uma à sua maneira. Como acontece a relação entre a imagem e o som na sua visão?
Paulo Rossi: Dizem que a fotografia é uma linguagem universal, mas eu acho que a música é a linguagem universal. Porque a música tu não precisa nem estar atento, a fotografia tu precisa ao menos olhar. A música tu podes estar passando na rua, olhando para o outro lado e uma nota te chamar a atenção. Agora mesmo, escuta, nós estamos conversando e uma pessoa está ali tocando. A música pode te emocionar a qualquer momento, de forma inesperada. Isso é muito especial para mim. Tenho muito respeito pelos músicos e tento entender como posso aproximar o meu trabalho ao deles. Procurando essa interpretação, eu vou construindo a imagem. Porque na fotografia, a última coisa que tu faz é apertar o botão. A fotografia é construída de muita observação e informação. Depois tu clica. Junta isso tudo e clica.
Lucian Brum: Qual é a importância da fotografia na documentação visual do festival e como ela contribui para a preservação da memória do evento?
Paulo Rossi: Cara, então, a minha função dentro do festival é a documentação fotográfica, a cobertura fotográfica do evento. Por exemplo, eu abasteço o Sesc com imagens para distribuição para jornais, revistas, sites, redes sociais… Paralelamente a esse trabalho, comecei a desenvolver também essa narrativa artística, que foi super bem aceita por todo mundo. Mas, no festival, a fotografia tem diferentes importâncias. Por exemplo, tem essa função de abastecer a mídia, que é primordial para a divulgação do evento e para a informação das pessoas. Também as imagens são usadas para a divulgação do festival no próximo ano. Todos esses panfletos, os leques, a programação, os cartazes, todos são feitos com as fotos que eu faço durante o festival. As fotografias também são usadas nos relatórios para patrocinadores, para comprovação de uso de marca… Então, eu atendo todas essas demandas.
Lucian Brum: Tu acreditas que uma fotografia tem o poder de transportar as pessoas de volta àquele momento, fazendo com que revivam as emoções e a atmosfera da cena registrada?
Paulo Rossi: Sim, com certeza. Pelas fotografias, as pessoas lembram da música, os músicos lembram da música que estavam tocando. Tenho relatos — e aí não sou eu que estou dizendo, as pessoas me escrevem no Instagram — dizendo que sentem exatamente a emoção daquele momento específico, quando estavam na plateia: “Ah, nessa foto, eu estava aplaudindo o espetáculo tal.” Sabe, existe na fotografia esse poder de despertar a memória. Nesse festival, aconteceu uma coisa especial. O pai de um músico me escreveu dizendo que vai fazer quadros para a casa dele, porque as fotos mostram o momento em que o filho está regendo um espetáculo no teatro. Veja a importância daquela foto para ele. Ele vai fazer quadros e colocar na casa dele, para relembrar sempre esse momento, para que esse momento fique vivo.
Lucian Brum Tu já compartilhaste várias dicas e falaste sobre as tuas referências, mas existe algum segredo para alcançar a foto ideal?
Paulo Rossi: Eu creio o seguinte, cara. Na minha concepção — e isso não é uma regra — o importante é a fotografia ter informação. A fotografia não é um clique, como as pessoas dizem: “Ah, faz um clique ali.” Não é. A fotografia tem que ter informação, tu tens que saber o que estás fazendo, tens que saber por que estás ali com a máquina pendurada no pescoço e qual é o teu trabalho naquele momento. Tem que haver respeito pelo que vais mostrar, respeito pelas pessoas que estão envolvidas. Através dessa concepção, construo a informação para minha fotografia. Até mesmo nas fotos em que é preciso clicar na hora, quando tudo acontece muito rápido — o que é característico do fotojornalismo —, mesmo nessas fotos, aquela bagagem que tu tens introjetada, aquele repertório imagético, aquele repertório cultural que tu traz contigo, é fundamental nesse momento. Então, a informação, a ética, a forma como tu pensas a fotografia, a forma como tu pensas a tua profissão, o respeito pelas outras pessoas, isso tudo está contigo no momento em que tu crias a foto e, inclusive, depois que tu clica. Isso tudo é levado em consideração.
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Pelotas tem o privilégio de contar com diversos profissionais na fotografia. A seguir, apresentamos o trabalho de nove fotógrafos que participaram do Festival SESC de Música, capturando momentos marcantes e enriquecendo a memória visual da cidade.
Paulo Rossi
Gustavo Vara
Jô Folha
Volmer Perez
Valder Valeirão
Italo Santos
José Mattos
Luiz Carlos Vaz
Lucian Brum
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Jornalista.
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