Na medida em que o tempo passa, além da tecnologia avançar, o modo como nos relacionamos com o mundo vai acompanhando essas alterações. Além da velocidade de informações a que somos submetidos diariamente, os valores que lhes atribuímos, geralmente, acabam sendo direcionados pelas lógicas de mercado, mídia e etc…
Um dos assuntos relacionados a isso, se refere à excessiva importância que as pessoas dão à aparência física. Obviamente que, aí está impregnada toda uma ideologia que escraviza os consumidores a sentirem-se inferiorizados por nunca atingirem um ideal de perfeição estética, tendo, assim, que vir a comprar fórmulas milagrosas, as quais lhes trarão o tão sonhado sucesso estético.
Problemáticas como essas podem ser observados no texto do escritor alemão Marius Von Mayenburg, autor da peça “O Feio”, apresentada dia 17 de agosto de 2012, no Teatro do COP, pela Ato Cia Cênica, de Porto Alegre/RS. Nesse espetáculo, o autor questiona os significados da alteridade inserida nas lógicas de mercado contemporâneo, satirizando a sociedade e refletindo sobre a individualidade funcionando como obstáculo pra se obter sucesso nos dias de hoje. Nessa trama, o protagonista recorre a uma cirurgia plástica com o intuito de mudar a sua aparência totalmente, já que os outros lhe consideravam feio. Após a cirurgia, o personagem se torna esteticamente belo aos olhos dos outros e essa “fórmula da beleza” um atrativo de lucro para o cirurgião plástico que passa a produzir “belos” em série.
O dramaturgo dessa peça costuma trabalhar juntamente com o encenador Thomas Ostemeier e suas propostas de diálogo cênico com as mais diferentes expressões artísticas. Facilmente encontrávamos influências do encenador alemão na concepção cênica da diretora Mirah Laline. O que foi apresentado no palco do Teatro do COP nos mostrava um forte trabalho de marcação de cena, com ações muito precisas, coesas dentro da proposta estética, em um ritmo extremamente acelerado. O fato do espetáculo ser conduzido em uma cadência veloz não o tornava perdido e vazio. Muito pelo contrário, mesmo com toda a velocidade de informações, a diretora conseguiu imprimir algumas nuances de ritmo durante a peça, com isso, o espectador não conseguia se afastar do que estava sendo contado, nem tampouco se sentir incomodado com o bombardeio de situações que iam ocorrendo.
Um espetáculo muito bem dirigido e concebido, assim podemos definir “O Feio”. Parte desse mérito também está reservado à sintonia cênica do elenco formado por Danuta Zaghetto, Marcelo Mertins, Paulo Roberto Farias e Rossendo Rodrigues. Não há o que se possa pontuar na atuação dos atores, a não ser elogios. O texto da peça não é fácil de ser dito, são muitas informações, com subtextos que oferecem várias possibilidades reflexivas. Para que as mensagens consigam atingir aos espectadores da maneira como se deseja, devem ser passadas num time correto e isso o elenco conseguiu de sobra. Não vou sublinhar uma ou outra performance dos atores, pois o elenco está nivelado, todos brilham ao mesmo tempo, sem haver destaques, o que propicia um espetáculo que atinge o sucesso no todo.
O trabalho que os atores levam à cena não é nada fácil. Aliás, o que vemos é fruto de um árduo e dedicado preparo físico. Não apenas no vigor e dinamismo corpóreo que o elenco mostra em cena, mas também a forma como dizem os textos. Apesar do ritmo ser acelerado, a boa dicção e a compreensão do que está sendo dito favorece o resultado estético do espetáculo. Da maneira como escrevo, essas ações podem até parecer simples, mas não o são. Para obtermos um resultado desse nível em cena, necessitamos de muito preparo, disciplina e, acima de tudo, trabalho. O elenco composto por atores bastante jovens soube utilizar a sua energia e disponibilidade para atribuir todos os adjetivos positivos que esse espetáculo merece.
Os figurinos de Marina Kerber estavam muito de acordo com a proposta estética da peça, além de contribuírem para a criação de uma identidade visual do espetáculo. Além disso, a concepção de iluminação de Lucca Simas e Luciana Tondo, esta última também responsável pela operação de luz, criou um ambiente sombrio, pesado e taciturno como a problemática do protagonista exigiria. Ademais, a maneira frenética como a luz dialoga com o ritmo corporal dos atores lhe atribui um papel essencial na concepção de dramaturgia cênica.
A trilha sonora pesquisada pela diretora Mirah Laline e operada por Manu Goulart continha várias músicas de hard rock alemão muito pertinentes ao espetáculo. Além de outras canções que dialogavam com o texto e propunham um distanciamento crítico e bem humorado em alguns momentos.
Também não posso deixar de elogiar a direção e direção de fotografia dos vídeos criados por João de Queiróz e Maurício Casiraghi, este último também responsável pela projeção deles durante o espetáculo. A projeção de vídeos vem sendo muito utilizada em alguns espetáculos contemporâneos, o que pode vir a funcionar como um colorido a mais na criação cênica. Entretanto, esse recurso deve ser usado com cautela para não ficar gratuito, ou apenas reforçando o que se está fazendo ao vivo, ele deve dialogar dinamicamente com a cena, senão perde o sentido.
Porém, a maneira como foi utilizado no espetáculo “O Feio”, estava muito adequada, foi um acerto da direção. Além do fato dos vídeos terem sido muito bem produzidos, eles ofereciam ao espectador um diálogo com o universo interno do protagonista. Não posso deixar de destacar o momento em que o personagem sente a vontade de pular do prédio. A sincronicidade entre o ator e o vídeo foi ótima, um profundo diálogo entre cinema e teatro, dando um aspecto de grande realidade, chamando muito a atenção do público que não deixou de se manifestar positivamente durante essa cena.
Portanto, considero que o espetáculo “O Feio” foi um grande presente ao público pelotense não apenas pela sua apreciação estética, mas também por vermos artistas tão jovens já despontando em um trabalho muito bem realizado. Além disso, não posso deixar de render louvores à iniciativa do SESC em oferecer ao público um panorama da produção cênica universitária do Rio Grande do Sul.
Texto: MSc. Vagner Vargas
DRT – Ator – 6606 – Crítico Teatral.
vagnervarg@yahoo.com.br www.ccetp.blogspot.com
Editor, gestor de conteúdo, fundador do ecult. Redator e pretenso escritor, autor do romance Três contra Todos. Produtor Cultural sempre que possível.